Nota explicativa: Este singelo texto sobre o eminente Alfred Marshall irá ocultar todas suas grandes contribuições para o pensamento econômico, tais como: a análise da variável tempo nos estudos econômicos; a distinção entre economia externa e interna; o cabedal teórico envolto nas análises monetárias – basicamente a distinção entre os juros “reais e monetários”; a determinação do valor pelo ponto de equilíbrio entre procura e oferta; o “excedente do consumidor”; a análise de elasticidade; a “quase-renda” e a “empresa representativa”. Também não serão citados aspectos biográficos. Elaboramos aqui, apenas e tão somente, um texto que contempla a visão de Marshall sobre as questões de cunho social, uma vez que nosso “personagem aqui retratado” via com clareza que as Ciências Econômicas dispunha de um formidável instrumental para transformar a vida das pessoas mais necessitadas.

Considerado chefe da chamada “escola neoclássica de Cambridge” (1), Alfred Marshall, definitivamente, está no rol dos greats economists de todos os tempos. Sua trajetória intelectual, ainda que ligada inicialmente a estudos no campo da Matemática, incluindo também Ciências Naturais, História e Filosofia, está fortemente vinculada ao incansável reformador social que sempre foi. No ano de sua morte (1924), quando contava 82 anos, afirmou no prefácio de Money, Credit and Commerce que “embora a idade avançada me pressione, não abandonei a esperança de que algumas noções que formulei com relação às possibilidades de avanço social possam vir a ser publicadas”.

A cada página escrita de Principles of Economics, sua principal obra, publicada em 1890 e, sem sombra de dúvidas, um grande postulado neoclássico e uma excelente apresentação da concepção marginalista, Marshall deixa nítido seu inconformismo com a situação de penúria vivida pelas classes menos abastadas. Desse inconformismo, nasce um entendimento em torno da abrangência da Economia. Para Marshall a finalidade ímpar da Economia Política era uma só: “elucidar a questão social em torno da real necessidade de existirem pobres para que houvesse ricos”.

Curiosamente, muitos anos depois, o poeta peruano, Cesar Vallejo, a esse respeito, também assim se indagava: “Quantos pobres são necessários para se fabricar um único rico?”.

Conquanto, o fato é que Marshall, assim nos diz Ottolmy Strauch, numa belíssima resenha de abertura ao livro “Marshall”, da coleção “Os Economistas” (S. Paulo, Nova Cultural, 1996), passou a estudar Economia (2) a partir da “preocupação com a questão social, sendo levado à percepção de que a pobreza estava na raiz de muitos males sociais”.

Para Marshall, nada era mais degradante que a pobreza. Sobre isso, certa vez afirmou que: “o estudo das causas da pobreza é o estudo das causas da degradação de uma grande parte da Humanidade”.

Nos Principles, encontramos Marshall afirmando que “a pobreza em si deriva de baixos salários”. No entanto, cabe perguntar: e os baixos salários de onde vem? Para Marshall “baixos salários nada tinham virtualmente a ver com a produtividade, mas, sim, inteiramente com a existência do que Marx chamou de exército de reserva industrial´”.

A esse princípio, o professor Marshall (3), que teve como alunos dentre outros, Keynes, Pigou e Joan Robinson, fez questão de acrescentar que “a pobreza decorre de condições estruturais, políticas e sociais, e que a sua atenuação não está no aperfeiçoamento ou numa mais eficiente operação do sistema de mercado livre, mas, antes, impondo-lhe medidas drásticas pelo governo e apoiando o crescimento de associações voluntárias e sindicatos trabalhistas”.

É possível assim perceber uma constante preocupação de Marshall para com a questão social, especificamente sobre o papel que a Ciência Econômica poderia exercer no sentido de atenuar esse mal.

Conquanto, foi preciso à chegada desse pensador na seara econômica para que a Economia começasse, finalmente, a dar seus primeiros passos no sentido de voltar à atenção à problemática da pobreza e os males dela decorrentes.

Marshall, sem dúvida, pode ser considerado um pioneiro que se encarregou de trazer para o ambiente das análises econômicas essa preocupação.

Mais tarde, esse campo específico do conhecimento econômico ganhou o nome de “Economia do Bem-Estar”, (4) tendo Pigou, herdeiro intelectual de Marshall, como fiel seguidor dessa linha de pensamento.

Logo nas primeiras palavras escritas nos Principles, ao definir a abordagem da Economia, Marshall deixa sua posição bem definida ao esclarecer que: “Economia Política ou Economia, é um estudo da Humanidade nas atividades correntes da vida; examina a ação individual e social em seus aspectos mais estritamente ligados à obtenção e ao uso dos elementos materiais do bem-estar”.

Como contraponto, ainda nos dias de hoje, infelizmente, são muitas as opiniões que ecoam em contrário ao fato de que a Economia não deve se restringir ao estudo do comportamento humano, em especial, a uma maior abordagem social.

De igual maneira, não encontram ressonância, principalmente no ambiente voltado ao mercado, voraz, em essência, por ganhos na escala financeira, as idéias de alguns economistas de bom senso, dotados de visão social, esclarecidos de que vivemos numa sociedade de desiguais e que, por isso, a Economia deveria ser usada para atenuar o sofrimento daqueles que padecem. Sobre isso, os números atuais permitem tal comprovação; basta atentar ao fato de que, segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), 1 bilhão de famintos habita o planeta Terra.

Conquanto, contra essas vozes, uma vez mais Marshall, nos anos iniciais do século XX, vem proclamar que “um homem será provavelmente melhor economista se confiar no seu bom senso e nos instintos práticos”.

Em Principles, (Livro Primeiro, Cap. 1, Tópico 3) Marshall argumenta que há…”pouca atenção dada pela Economia em relação ao superior bem-estar do homem”.

Infelizmente, tal prenúncio ainda hoje parece prevalecer, visto que os Manuais de Introdução à Economia insistem em ignorar o indivíduo e recomendam, como política eficaz, a prática do individualismo, em lugar do coletivismo; recomendam, por conseguinte, a competição, em lugar da cooperação.

No entanto, nunca é demasiado lembrar as palavras de Marshall: “O objetivo dominante da Economia é contribuir para a solução dos problemas sociais”.

Talvez seja por isso que o jovem Marshall, aos 25 anos, no auge de sua juventude, deixou a Igreja Anglicana e foi estudar Economia. Curiosamente, sobre esses dois assuntos (religião e ciência) certa vez declarou que “os dois grandes fatores na história do mundo têm sido o religioso e o econômico”.

Na Economia, “ciência que cuida de questões tão vitais para o bem-estar da Humanidade” Marshall encontrou caminho para manifestar sua indignação frente às injustas situações a que eram submetidas às classes menos abastadas.

Em Principles (Livro Primeiro, Cap. IV), se diz favorável a uma ação em prol da melhoria de vida dos necessitados, quer seja de cunho privado ou governamental: “à doutrina de que o bem-estar do povo em geral deve ser o objetivo de todos os esforços privados e de todos os programas políticos”.

Assim, a grande contribuição de Marshall não só para o pensamento econômico, mas, antes, para a história do pensamento universal foi a de buscar, por meio da Ciência Econômica, elaborar um denominador comum para medir a atividade humana – o objetivo fundamental dessa ciência.
NOTAS:

(1) A escola neoclássica ou marginalista do pensamento econômico caracterizou-se pelas contribuições dadas ao conhecimento da utilidade de um bem e da sua escassez. Igualmente teceu explicações pela abordagem microeconômica e pelo forte cabedal matemático com que revestia a exposição e fundamentação de suas teorias visando o equilíbrio geral da economia.

(2) Alfred Marshall passou a estudar com seriedade Economia aos 25 anos, após a leitura de Political Economy, de John Stuart Mill (1806-73). Outro assunto que impregnou a concepção econômico-social de Marshall foi à corrente Utilitarista, de Jeremy Benthan (1748-1832).

(3) Marshall, por 23 anos, de 1885 a 1908, foi professor de Economia Política na Universidade de Cambridge.

(4) Essa linha de pensamento propõe estabelecer políticas de seguridade social, defendendo o papel do Estado na economia. Em suma: o bem-estar refere-se ao estado utilitário total da sociedade. Como informação complementar, convém ressaltar que o utilitário/utilitarismo se embasa numa perspectiva hedonista (busca da satisfação plena, e negação ou ausência de sacrifícios e qualquer tipo de sofrimento). No entanto, nem sempre é fácil mensurar tal conceito. O primeiro que saiu atirando contra essa perspectiva foi o italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) que argumentava ser a “utilidade” não passível de mensuração. Para tanto, Pareto, economista de renome no início do século XX, propôs substituir a abordagem “cardeal” (voltadas aos números cardeais) pela “ordinal” (voltada a “ordem” das coisas). Nessa perspectiva, Pareto toma emprestado a contribuição teórica do economista liberal Francis Ysidro Edegworth (1845-1926), professor de Economia na Universidade de Oxford, adotando a curva de indiferença.

Por Marcus Eduardo de Oliveira
Economista e professor da FAC-FITO (Depto. Economia),  do UNIFIEO (Depto. Comércio Exterior) e da Faculdade de Vinhedo (Depto. Administração). Mestre pela USP e Especialista em Política Internacional (FESP). Autor dos livros “Conversando sobre Economia” (ed. Alínea) e “Provocações Econômicas” (no prelo).

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