O economista, ex-ministro e professor Delfim Netto concedeu uma entrevista exclusiva ao Blog O Economista durante sua passagem por Joinville (SC), em evento realizado na Sociesc/FGV, em agosto, para debater junto aos estudantes e empresários da principal economia catarinense os aspectos macroeconômicos que afetam o crescimento do Brasil. Delfim possui uma carreira longa – com muitos erros e acertos – que o define como um dos principais economistas e políticos ainda em atividade.

Na entrevista, ele comenta sobre os caminhos adotados por FHC na busca pela estabilidade monetária, os desafios de Lula, estratégias para uma política monetária mais atraente, entraves para o crescimento interno, dificuldades que se antepõem ao aumento da oferta de energia e, por fim, a valorização do profissional economista. Delfim destaca que o atual economista não deve gastar seu tempo explicando porque o Brasil não pode crescer. O profissional deve trabalhar mais e ajudar a criar as condições para o desenvolvimento. Confira na íntegra a entrevista:

O Economista – Qual é a diferença entre o crescimento econômico dos governos Lula e FHC ?

Delfim Netto – O crescimento econômico nunca foi prioridade nos dois governos FHC. Claramente no primeiro mandato (1994/98) toda a ênfase da política econômica foi dedicada à estabilidade monetária, o que não seria um mal, propriamente. Era importante preservar os resultados do plano Real no combate à inflação, alcançados no governo anterior do presidente Itamar Franco. Isso dependia primordialmente de um forte ajuste fiscal, absolutamente necessário como complemento do esforço de estabilização até então bem sucedido. O governo FHC mostrou desde o início, no entanto, que não estava preparado para enfrentar tal desconforto. Preferiu o caminho do endividamento fácil, oferecendo taxas de juros extremamente generosas para atrair capital externo, praticamente garantindo um retorno mínimo anual de 20% reais, em dólares!

As conseqüências todos conhecem: de 1994 a 1998 houve um enorme ingresso de recursos externos (uma boa parte de capital vagabundo disponível no mundo) que produziu uma supervalorização cambial na relação real/dólar, barateando as importações e ajudando a segurar a taxa de inflação, o que vinha de encontro ao desejo da autoridade monetária. Atendia, na verdade, ao objetivo político de FHC de pleitear a reeleição, usando a bandeira da estabilidade (o combate à “carestia”), no que teve pleno sucesso. Com a inflação sob controle, custo de vida estável, recebeu apoio popular e da mídia suficiente para aprovar no Congresso a emenda constitucional que introduziu a reeleição, da qual ele foi o primeiro beneficiário.

A tragédia da política estava no outro lado da moeda: os altos juros internos privilegiaram os investimentos financeiros, derrubaram a taxa de câmbio (com uma absurda sobrevalorização do Real) e esfriaram os investimentos no setor produtivo, especialmente nos segmentos da indústria mais voltados para as exportações. O crescimento da economia começou a murchar, as exportações se inviabilizaram graças ao câmbio sobre valorizado e rapidamente apareceu um déficit nas contas externas do país.

O governo FHC enveredou pelo aparentemente mais cômodo mas, na verdade, o pior dos caminhos: o endividamento externo para financiar o déficit em contas-correntes. Em quatro anos o país havia acumulado uma dívida de 186 bilhões de dólares. No período, as exportações brasileiras cresciam a um ritmo de 3% ao ano, enquanto a dívida crescia a uma média anual superior a 6%. Não era preciso conhecer física quântica para concluir que o Brasil ía quebrar e foi o que aconteceu em 1998. Estávamos às vésperas do pleito que iria reeleger FHC.

Para evitar o “défault” brasileiro que produziria grande perturbação nas eleições (num Continente já perturbado na ocasião), o presidente norte americano Bill Clinton providenciou junto ao FMI um empréstimo de 40 bilhões de dólares e as eleições se realizaram em calma. Os brasileiros que reelegeram FHC só tomaram consciência da tragédia dois mêses depois, em janeiro de 1999, quando o Real se desvalorizou da noite para o dia, o regime cambial mudou e a taxa de câmbio flutuou para uma relação em torno de R$ 3,00/$ 1,00 dólar americano.

Nos primeiros momentos do segundo mandato de FHC a economia ensaiou uma tênue recuperação, mas em 2001 aconteceu o desastre do “apagão” energético, fruto do abandono do planejamento público e do descaso com os investimentos na infraestrutura, especialmente na hidroeletricidade. O governo se declarou “surpreso” e tentou uma reação investindo na construção de termelétricas, o que amenizou um pouco a carência de energia, mas aumentou a sujeira ambiental.

O resumo da “octaetéride” fernandista em termos de desenvolvimento foi infelizmente um crescimento pífio do PIB nacional e uma queda na taxa de crescimento per capita para menos de 1% anuais. De positivo, no período, as privatizações nos setores da telefonia e siderúrgico/mineral. A conquista da estabilidade da moeda, um êxito inegável, deixou desnecessariamente um saldo negativo pesado no setor externo, destruiu uma parte do setor exportador brasileiro e penalizou barbaramente a agropecuária que sofreu uma drenagem violenta de recursos em favor dos consumidores urbanos.

Governo Lula

O governo Lula começou em 2002 tendo que enfrentar logo nos primeiros meses uma recidiva da inflação, insuflada pelos adversários durante a campanha eleitoral com o mote “o Brasil vai se tornar uma Argentina!” e ajudada pela excitação que tomou conta do mercado financeiro onde uma boa parte dos “investidores” e analistas não escondia suas simpatias tucanas.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central radicalizaram as políticas monetária e fiscal elevando a taxa de juros e aumentando a projeção do “superávit”. Em seis meses as taxas da inflação cederam, os mercados se acalmaram e o governo Lula pode se dedicar aos programas sociais, de combate à fome, bolsa-escola e bolsa-família que formavam o núcleo de suas promessas eleitorais sintetizadas no objetivo de contribuir para a maior igualdade de oportunidades e melhorar a distribuição da renda.

O ponto de inflexão da política em relação ao período anterior foi, contudo, a mudança da agenda governamental que passou a priorizar o desenvolvimento econômico, mediante estímulos ao setor produtivo privado. Uma demonstração prática importante foi dada pela convocação do setor privado para iniciar a reconstrução da infra-estrutura física do país, com a realização dos leilões de concessão rodoviária que atraíram um número expressivo de empresas nacionais e do exterior; em seguida a decisão de também entregar ao setor privado a recuperação da matriz energética, realizando os leilões para construção e exploração das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira.

O Economista – Um plano como o PAC seria a forma ideal de tratar a questão do crescimento em um país como o Brasil?

Delfim Netto – Pode não ser a forma ideal, mas a listagem dos projetos serve para informar a sociedade das intenções do governo no que se refere aos investimentos na infra-estrutura e para transmitir certa orientação aos empresários sobre os setores que serão incentivados e, portanto receberão atenção prioritária do setor público. Ajuda no próprio planejamento da administração e vem funcionando como estímulo aos empresários, até um pouco acima do esperado.

Pode ter sido inicialmente o produto da intuição do Presidente Lula, mas o que se constata é que as ações de seu governo trouxeram de volta o ânimo empreendedor, despertando o que se costuma chamar de “espírito selvagem” do empresário para correr os riscos do investimento. O fato é que a economia brasileira voltou a crescer de forma robusta, como não acontecia há 20 anos, como preconiza o PAC.

O Economista – O câmbio, com o dólar desvalorizado, pode complicar o crescimento?

Delfim Netto –O problema não é a desvalorização do dólar que se reflete, como num espelho, na valorização das demais moedas do mundo. O nosso problema é a valorização excessiva do Real, produzida pela política monetária do Banco Central que se caracteriza pela manutenção de altas taxas de juro, as maiores do mundo, já há vários anos! A diferença da taxa de juros brasileira com as taxas praticadas no mercado internacional atrai aplicações especulativas que proporcionam altos rendimentos praticamente sem riscos. O ingresso desses capitais em grande volume, que não têm nenhum compromisso com o setor produtivo brasileiro, produz um forte desequilíbrio no câmbio, mantendo uma taxa favorável às importações e absolutamente desfavorável (em muitos casos impeditiva) às nossas exportações!

São absolutamente inconsistentes as justificativas que o Conselho de Política Monetária do BC divulga como fundamentos de suas decisões para a elevação da taxa juros como a forma eficaz de garantir o cumprimento das metas de inflação. Há uma força estranha que faz com que se repita o mesmo expediente de recorrer à valorização da taxa de câmbio como instrumento de combate à inflação. Ele foi usado com certa freqüência nos últimos 20 anos, retardando a expansão das nossas exportações e causando enormes prejuízos ao setor industrial brasileiro. Menos mal que depois de muito esforço o Ministério do Desenvolvimento conseguiu emplacar algumas medidas de caráter fiscal e tributário que poderão ajudar o esforço exportador.

O Economista – Como o Brasil pode superar dois entraves de crescimento interno: a oferta de energia e o déficit em contas correntes?

Delfim Netto – O senhor levanta os dois problemas que decidem se o crescimento brasileiro é sustentável. No primeiro caso, nós tivemos o exemplo do “apagão” energético de 2001 que liquidou com a possibilidade de crescimento no restante do mandato de FHC. Já no governo Lula, a demora na definição dos investimentos para recuperar a matriz energética acendeu uma luz amarela, mas a partir de 2006 os reservatórios das hidrelétricas voltaram aos índices de segurança e os novos projetos finalmente foram autorizados. Neste capítulo creio que o risco foi afastado e se pode prever que não teremos problemas de oferta da hidroenergia. O mesmo se verifica em relação ao petróleo, dado que as descobertas recentes no pré-sal e os investimentos em curso para o fornecimento do etanol e demais fontes alternativas garantem a oferta segura pelos próximos vinte a vinte e cinco anos.

Quanto à conta-corrente a situação é atualmente tranqüila: com todos os erros que mantém o câmbio fora do seu ponto de equilíbrio, o Brasil acumulou um volume de reservas que poderá ser usado para enfrentar turbulências nos mercados financeiros ou perda de dinamismo nas exportações. No médio prazo dá para enfrentar problemas de mediana dificuldade, mas este é um campo em que nós já apanhamos muito por deixar tencionar a corda. Significa que num dado momento não muito distante de hoje a política monetária terá que ser tratada com mais inteligência: significa, sim, baixar a nossa taxa de juros de modo a aproximá-la dos níveis mundiais, permitindo ao câmbio procurar a taxa de equilíbrio que desobstrua as exportações e, principalmente, estimule a retomada dos investimentos para expandir o nosso comércio exterior.

O Brasil não precisa praticar taxas de juros tão escandalosamente superiores às de seus parceiros comerciais, que hoje estão em torno de 2% ou 3% ao ano em termos reais (e não são poucos os que operam com taxa negativa)!

O Economista – Como o profissional economista se insere nesse novo panorama nacional e mundial de constantes mudanças na economia?

Delfim Netto – A função do economista no Brasil deve ser ajudar a remover as dificuldades que tolhem o crescimento. O economista não deve gastar seu tempo explicando porque o Brasil não pode crescer. Qualquer um pode fazer isso. Então, para mim, o que justifica a profissão do economista é que ela pode ajudar realmente a criar as condições para o desenvolvimento.

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