Marcus Eduardo De Oliveira.
Marcus Eduardo De Oliveira.

Marcus é Economista pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Osasco (FEAO), mestre pela USP e professor de economia da Faculdade de Ciências da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (FAC-FITO) e da Fundação Instituto de Ensino para Osasco (UNIFIEO).

Em entrevista ao site O Economista, Marcus Eduardo de Oliveira fala sobre a desmistificação da economia, a partir de um olhar que a defina como ciência social. Segundo ele, a economia proporciona um “bem-estar” nas pessoas, quando encarada sob uma perspectiva mais humana. Marcus é autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas”.

O Economista – A economia já foi algo mais distante das pessoas. Porém, atualmente, a população vem tomando consciência de sua importância. De que maneira você acha que a integração entre a esfera social e o mundo econômico facilitou essa mudança?

Resgatando um pouco a história, temos que lembrar que no passado, logo no início, a ciência econômica foi chamada de dismal science (ciência lúgubre). De fato, essa primeira impressão, um tanto quanto cinzenta do universo econômico, já está totalmente superada. A economia ganhou relevância com o tempo e se firmou, definitivamente, como uma ciência social capaz de promover o bem-estar das pessoas. No entanto, ressalvas à parte, ainda hoje muitos enxergam a economia apenas do ponto de vista técnico e mecanicista. A culpa disso repousa, em grande medida, no uso dos modelos matemáticos pouco acessíveis para tentar explicar a realidade. Conquanto, a matemática, por mais completa que seja em seus modelos, não consegue captar a essência social. É por isso que uma economia com face mais humana, mais solidária, mais fraterna vem ganhando espaço.

Hoje se fala até mesmo em Economia de Comunhão, enaltecendo os laços espirituais em prol de uma estrutura econômica que prioriza e resgata o indivíduo, tentando inseri-lo na vida produtiva. Definitivamente, diante desse “novo” modo de pensar a economia, o que temos que entender é que a Economia é (e sempre foi) uma ciência humana, e não exata. A economia tem uma penetração em torno dos aspectos sociais, não se pode negar isso. Logo, seu campo de preocupação deve então repousar sobre as pessoas e, em especial, sobre as condições de vida das pessoas. A Economia tem uma dinâmica toda especial: ou ela ajuda as pessoas a melhorar de vida, ou ela acaba prejudicando-as. Todavia, é necessário enfatizar que a economia não pode garantir a prosperidade de cada um, mas pode, perfeitamente, ajudar cada um a encontrar um caminho mais próspero. Daí para frente é a ação individual que levará ou não a um bom termo. Tudo está, de certo modo, envolto na questão das escolhas. Do lado prático, tudo pode ser, grosso modo, resumido na questão das boas escolhas de políticas econômicas. Economia boa é aquela que funciona, como costuma dizer o prof. Guy Sorman. E a Economia só pode funcionar quando leva em conta o papel das pessoas. São essas que fazem a economia girar. A Economia não pode funcionar sem as pessoas. Essa lição precisa ser ensinada no primeiro dia de aula, no primeiro ano do curso superior em Economia.

O EconomistaVocê fala sobre a busca das pessoas por um “mundo melhor”. De que forma você acha que a construção de um “outro mundo” pode ser feita pelo viés da economia?

Esse “outro mundo melhor” depende, exclusivamente, de cada um de nós. Somos nós os únicos responsáveis pela construção de um amanhã melhor. O que move o mundo são as ideias combinadas com a ação. Não basta ter apenas boas ideias, é necessário agir. O capital humano responde bem por isso e os economistas sabem dessa importância. Todos, sem exceção, desejam viver bem, viver mais e, acima de tudo, viver em boas condições. Paixão acadêmica à parte, não me parece descabido afirmar que quase tudo gira em torno da economia. É a Economia (ciência e, mais precisamente, a atividade produtiva) que define então os rumos. E quando se busca esse amanhã melhor, na verdade o que está implícito nessa ação é a prática da transformação. Estamos buscando no amanhã algo que hoje não temos.

Essa “transformação”, portanto, carrega em si um elemento de justiça econômica e social. A justiça econômica talvez seja um dos pontos mais relevantes na história do pensamento econômico. Logo, almejar um amanhã melhor passa, indubitavelmente, pelos modelos e sistemas econômicos praticados e conhecidos. Alguns modelos econômicos é verdade, dependendo das estruturas políticas que o sustentam, levam à opressão. A História mostrou isso. No entanto, outros modelos abrem a possibilidade da libertação. É nessa linha que temos que pensar: a economia rumando para o desenvolvimento, e não só o desenvolvimento econômico, permite, sobremaneira, construir e alcançar a liberdade. Amartya Sem, um dos mais brilhantes economistas contemporâneos, cuja preocupação social é latente em seus escritos, nos ensina a ver o desenvolvimento como liberdade – Development as Freedom. Eu entendo que mesmo a questão da felicidade passa por esse prisma. Escrevi recentemente que a economia tem a ver com felicidade. Aliás, permita-me enfatizar: a economia tem tudo a ver com felicidade. John Stuart Mill afirmou que felicidade pode ser resumida sob dois pontos de vista: “encontrar o prazer e fugir da dor”. Esse é o ponto central dos utilitaristas desde as contribuições seminais de Bentham, que na verdade bebeu nos ensinamentos dos gregos, em especial de Epícuro que trata dessa questão hedonista. Buscar o prazer e procurar ser feliz tem sido a questão íntima de muita gente. Ao buscar a felicidade estamos, certamente, contribuindo para a harmonização plena da sociedade, a partir de nossa própria realização. E aqui não se discute como (a maneira de) ser feliz. Cada um tem o seu próprio “modelo” de felicidade. Para uns ser feliz é auferir uma boa quantia financeira; para outros, ser/estar feliz é alcançar aquilo que os gregos conceituavam como “ataraxia”, ou seja, “paz de espírito”; é atingir o que se convencionou chamar de imperturbabilidade da alma.

Especificamente para mim, a Economia entra nessa seara filosófica quando se discute a questão do acesso ao dinheiro. Como me considero um economista social, ou um sócio-economista, assim como gosta de se intitular o prof. Ignacy Sachs, da Universidade de Paris, vejo que o dinheiro em economia não é a questão central. Antes disso, a importância passa pelas escolhas, pelos costumes, pela maneira de ser e de agir de cada um. E isso não me parece estar vinculado a ter mais ou menos dinheiro. Até mesmo porque se o dinheiro fosse uma razão precípua da economia, e se isso, per si, assegurasse a conquista da felicidade, todos os países com elevado nível de renda per capita seriam uma espécie de paraíso terrestre. E isso me parece que não condiz com a atual realidade. Mesmo em países com elevado nível de renda per capita, há camadas sociais que vivem a duras penas. Basta atentar ao fato dos indicadores de depressão, de infelicidade que atinge mais e mais pessoas com elevado nível financeiro em países muito desenvolvidos.

O EconomistaCom uma economia fortalecida e maior acesso da população ao crédito, cresce o interesse por alternativas para uma vida economicamente “sustentável”. O mercado se prepara para atender um consumidor ávido por leituras especializadas, programas que dão dicas sobre orçamento familiar, etc. Como você avalia esse cenário em que o mercado financeiro tenta aproximar a economia do cidadão comum? Isso tende a crescer ou é uma “febre”?

Eu penso que o mercado financeiro só terá sucesso nesse sentido caso se dispa de seus conceitos técnicos e seja capaz de levar uma mensagem mais clara e, ao mesmo tempo, objetiva ao cidadão não familiarizado com os jargões econômicos. Por sinal, é oportuno apontar que se há um lugar no ambiente econômico em que o “economês” grassa às soltas, esse lugar é justamente no mercado financeiro. O cidadão comum não está – e nunca estará – interessado em saber o que significa derivativos, cupom cambial, ações, debêntures e afins. Nem mesmo a questão do comportamento da taxa de juros – por sinal, a única “preocupação” da política monetária no Brasil, chega a ser discutida fora do ambiente acadêmico.

Enquanto a Economia não se tornar mais “amena” em questões que envolvem diretamente a vida das pessoas, teremos muitas dificuldades para sermos vistos como cientistas sociais dispostos a ajudar na construção de um mundo melhor. O economista constrói hipóteses, e, em seguida, confronta isso com a realidade social. E a realidade social é essa que aí está: é de forte desigualdade, de injustiça econômica e social e mesmos de descaso com o potencial econômico do país. Temos que explicar à população alguns por quês, tais como: Somos um país rico, mas temos 12 milhões de miseráveis. Somos uma economia pujante com uma massa de desempregados. Exportamos vítimas, mas não levamos arroz e feijão para o prato dos mais famintos que aqui residem. Fabricamos aviões comerciais, mas 1/3 das residências desse país ainda não possui encanamento e rede de esgoto. Fabricamos e exportamos sapatos, mas muitos brasileiros andam descalços. Isso só aponta para um único caminho: a cada dia que passa solidificamos aquela “Belíndia” que o prof. Edmar Bacha disse em meados dos anos 1970. Ou seja, somos uma Bélgica (rica) embrenhada com uma pobre Índia.

Mesmo a questão de uma economia ambientalmente sustentável ainda não ocupa posição de destaque nas discussões mais caseiras – o que é lamentável, pois não percebemos o quanto dependemos da natureza. Não estamos apenas na Terra, somos parte da Terra. Somos poeira das estrelas; somos frutos de um colapso cósmico. Tudo depende da natureza e não nos damos conta disso. Os economistas, em geral, tem menosprezado essa questão. A relação economia e natureza passa a largo das discussões. Veja que um dos mais importantes economistas do século XX, o romeno Nicholas Georgescu-Rogen, que trabalhou a questão das leis da entropia, é visto com desdém por muitos e, estranhamente, continua sendo ignorado pela academia. Veja outro caso mais emblemático: os economistas tradicionais continuam a medir o PIB levando-se em conta as externalidades negativas. Para medir o PIB, chega-se ao absurdo de considerar, por exemplo, mortes, desastres, destruição ambiental, poluição dos rios e mares. Na prática, isso quer dizer o seguinte: Se muita gente está morrendo, a venda de caixões aumentará; se está ocorrendo muitos acidentes, a venda de produtos farmacêuticos e hospitalares também irá aumentar. Se os rios estão sendo grosseiramente poluídos, é necessário contratar empresas para a limpeza. Isso faz o PIB subir, no entanto, é a estupidez econômica que está sendo consagrada quando aponta que o produto cresce nessas circunstâncias. Num livro recente, “Provocações Econômicas”, ainda não publicado, chamei isso de “estupidez pibiniana”. Na essência, eu penso que o mercado precisa preparar o leitor para esse tipo de informação. E não tenhamos dúvidas que há público para esse tipo de conhecimento.

O EconomistaO chamado “economês” é ainda um dos maiores vilões quando a idéia é deixar os assuntos da economia mais acessíveis à população. Qual é a sua sugestão para que isso seja diferente?

Desmistificar a economia. A linguagem da economia não pode mais ser carrancuda, rebarbativa. Para isso, é preciso remar contra a maré da economia tradicional que aí está. A teoria econômica precisa estar ao alcance do cidadão comum. É ele que faz a economia girar, como eu disse anteriormente. É ele que compra, que vende, que negocia. Afinal, o mercado existe para ele. Pedro Casaldáliga, teólogo catalão, diz que “é preciso humanizar a humanidade”.

Nessa mesma linha de raciocínio eu digo que é preciso humanizar a economia. O primeiro passo para isso é tornar a economia mais fácil. Para saber como funciona a economia, é necessário antes conhecer a economia. Só haverá pleno conhecimento da economia quando houver uma linguagem acessível que facilite essa aproximação entre o cidadão/cidadã comum e os meandros econômicos. É dever dos professores de economia facilitar esse caminho. O que importa não é ir para a TV e falar que o PIB está subindo, mas sim porque está subindo e para quem está indo esse benefício, quando ele acontece. Da mesma forma, é necessário dizer com clareza quem está se beneficiando com o desenvolvimento econômico, e não apenas afirmar que está havendo desenvolvimento econômico. A literatura econômica não muda o mundo. Pode mudar as pessoas. Num segundo momento, as pessoas sim podem mudar o mundo. A economia, despida de sua linguagem técnica, pode contribuir sobremaneira para isso.

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