O atribulado início de segundo mandato da presidente Dilma Rousseff enfrenta mais uma situação adversa desde as primeiras semanas de fevereiro deste ano. Uma paralisação nacional de caminhoneiros causou tumultos e continua gerando consequências em todo o país.

Começou no dia 13, no Paraná. Na cidade de Guaíra, na região oeste do estado, professores e caminhoneiros se aliaram para bloquear o trânsito de acesso à ponte Ayrton Senna. Eram mais de 300 manifestantes de 11 municípios da região que pediam mudanças em setores diversos. A greve dos professores começou no dia 9 e o protesto era contra as medidas de austeridade apresentadas pelo governo do estado. O pacote proposto pelo governador Carlos Alberto Richa modifica o pagamento dos reajustes a cada cinco anos dos servidores, extingue o modelo de promoções relacionadas a especializações, limita o valor do vale transporte e impõe um teto para a aposentadoria. Dos mais de 92 mil servidores públicos do estado, aproximadamente 65 mil são professores.

O apoio dos caminhoneiros na paralisação em Guaíra gerou uma pauta própria de reivindicações para a categoria. Os dois motivos principais, fortemente relacionados, já dividiam o protesto em duas frentes principais desde o dia 13: o baixo valor dos fretes e o aumento do preço do óleo diesel.

Greve dos caminhoneiros revela lado mais fraco do setor de transportes brasileiro
A principal pauta da greve era o frete desequilibrado. Os trabalhadores estavam trabalhando mais e ganhando menos.

Custos mais elevados para os caminhoneiros

O aumento dos combustíveis com a volta dos impostos PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o financiamento da Seguridade Social) no dia 1º de fevereiro foi o estopim para a revolta da classe. O impacto direto no preço do diesel, principal combustível utilizado por caminhões, foi de R$ 0,15 por litro.

Conectado ao aumento do custo da viagem está o enfraquecimento no preço do frete pago aos profissionais. A queda chegou aos 37% nos últimos cinco meses. O principal problema é que, à medida que o preço diminuía, fatores como o aumento das cargas com o início das safras de certos produtos agrícolas resultaram em encarecimento na manutenção dos veículos já que, mesmo com mais peso, o número de caminhões das frotas permanece o mesmo. O valor 37% menor ocorre porque o salário pago aos caminhoneiros não acompanhou a subida destes custos.

Protesto ganha repercussão nacional

As manifestações se fortaleceram na terceira semana de fevereiro e, na segunda-feira, 23, os protestos já atingiam pelo menos sete estados: Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Depois se espalharam para as regiões norte e nordeste no Pará e na Bahia a partir da terça-feira, 24.

Entre as outras reivindicações da categoria estavam os investimentos em obras de infraestrutura nas rodovias federais e estaduais e a aprovação das alterações “Lei dos Caminhoneiros”, reduzindo a jornada para oito horas de trabalho com mais quatro horas extras e a isenção de pedágio para veículos com eixos suspensos.

O crescimento irregular das manifestações pelo país aconteceu sem nenhuma liderança centralizada, assim como nos protestos nacionais que levaram a população às ruas em junho de 2013. As pautas não são totalmente unificadas, o que dificulta o diálogo com o governo. Apesar disso, a insatisfação de toda uma classe de profissionais é clara.

O governo federal sinalizou a possibilidade de discutir internamente o tema na terça-feira, 24, quando o ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues, se reuniu com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e com Luís Inácio Adams, o advogado-geral da União. Apesar disso, Cardozo afirmou que já existia o diálogo permanente com as lideranças diversas de sindicatos e cooperativas nos estados afetados.

A possibilidade da queda no preço do diesel logo foi descartada. Segundo o porta-voz do governo, Miguel Rossetto, o tema central é o valor do frete, que é o que faz maior diferença no bolso dos trabalhadores. O governo, disposto a discutir soluções para o preço, quis estimular o diálogo também com o setor empresarial.

Greve dos caminhoneiros revela lado mais fraco do setor de transportes brasileiro
Além das graves consequências na agropecuária, as greves geraram crise de abastecimento de combustíveis. Na foto, a cidade de Sinop, no Mato Grosso.

Consequências

A paralisação nacional afetou o abastecimento dos mais diversos setores da indústria e, principalmente, relacionados ao agronegócio. Os impactos chegam a atingir a produção industrial por falta de matéria-prima e os bloqueios em acessos aos grandes portos do país podem desequilibrar a balança comercial (importações e exportações) em fevereiro.

A agricultura é a mais atingida porque os produtos relacionados são perecíveis. No noroeste do Rio Grande do Sul, agricultores chegaram a jogar leite fora. Segundo o Sindicato das Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul, 70% de toda a produção foi afetada na região norte gaúcho por causa da ausência dos caminhões que transportam os produtos. A criação de bovinos e suínos também sofre com a falta da logística, já que as rações não têm outro modo de chegar às fazendas e aos fornecedores. E em época de safra, a colheita fica parada, fazendo com que a produção de cereais como a soja sofra fortes perdas.

O bloqueio de duas faixas da Via Anchieta em São Bernardo do Campo (SP) na quarta-feira, 25, cortou o acesso ao porto de Santos, o maior do país. A paralisação afetou a produção de aves, suínos, e a reposição de produtos de supermercados até do Paraná e de Santa Catarina.

No dia anterior, a JBS, uma das maiores produtoras de carne do país foi obrigada a paralisar a produção em oito fábricas no Brasil e as outras 32 unidades estavam trabalhando com 40% de ociosidade. Em São Paulo, o preço de alguns itens entre frutas e verduras dobrou. As caixas fechadas de chuchu e de tomate, por exemplo, custavam R$ 30 no fim de janeiro e no dia 25 de fevereiro, auge das greves, o preço médio chegou à casa dos R$ 70.

Em escala ligeiramente menor, a paralisação no país começou a atingir as indústrias por conta da falta de matéria-prima. Montadoras de várias regiões do país pararam suas produções devido à falta de abastecimento. Outros produtos como combustíveis, cujo transporte é responsabilidade de caminhões, também sofreram impacto. O preço do litro da gasolina, no Paraná, chegou aos R$ 5 na segunda-feira.

Espera-se que, mesmo a greve acabando imediatamente, o tempo necessário para a situação voltar ao normal e a falta de alguns produtos faça a inflação de muitos produtos subir.

Greve dos caminhoneiros revela lado mais fraco do setor de transportes brasileiro
Aplicações em ferrovias e meios alternativos são a única saída, mas investimentos são caros a curto prazo

Dependência e alternativas

Segundo o último levantamento da Confederação Nacional dos Transportes (CNTT), em 2009, 61,1% de toda a carga transportada no Brasil usa o sistema rodoviário, 21% o sistema ferroviário, 14% o hidroviário e 0,4% o aeroviário.

O uso massivo vem se intensificando desde a época dos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, que focaram os investimentos de transportes na construção de rodovias para impulsionar o desenvolvimento automobilístico no país. Na década de 1970, os investimentos foram ainda maiores com o Plano Nacional de Integração, programa do governo militar que construiu as grandes rodovias com objetivo de aumentar a ocupação no centro-oeste do país. Desde então, alternativas como trens e transporte hidroviário têm sido deixados de lado.

O percentual de outros países mais desenvolvidos em relação ao transporte de carga via trens é muito maior que por caminhões. No Canadá, na Alemanha e nos Estados Unidos, por exemplo, por volta da metade das cargas são conduzidas por linhas de ferro.

Uma greve como a que está acontecendo mostra como o investimento em outros meios deve ser feito com urgência. As ferrovias brasileiras estão sucateadas e o que impede a expansão é o custo dos projetos. Apesar de, depois de prontas, o retorno ser praticamente certo, o investimento na implantação é muito alto. Em 2012, o governo Federal lançou o Programa de Investimentos em Logística, que inclui um conjunto de projetos para contribuir com o desenvolvimento dos transportes. Entre os investimentos estão R$ 99,6 bilhões em construção e melhoramento de 11 mil km de malha ferroviária. Só a metade está pronta.

O país possui em média 27 mil km de ferrovias no total. Desses, um terço é considerado produtivo, utilizado para o transporte de minério. Esta parcela é equivalente ao total das ferrovias utilizadas na época do Brasil Império. Para comparar, atualmente os EUA, que possuem uma área territorial apenas um pouco maior que a nossa, contam com mais de 220 mil km.

Para o Brasil suprir a demanda, é necessário que o número de trilhos disponíveis para transportes pelo menos dobre de tamanho. Um bom programa de investimentos no setor seria a melhor opção.

É nesse ponto que se forma uma espécie de círculo vicioso: o governo não tem verba de transportes para a construção de ferrovias para transporte de cargas porque gasta muito mais em manutenção com as rodovias para o transporte de cargas. A construção de uma ferrovia leva muito mais tempo e custa muito mais dinheiro, o que também dificulta investimentos públicos e privados, já que o mercado fica muito mais inseguro com investimentos de longo prazo.

Miguel Rossetto representou o governo na reunião com lideranças dos caminhoneiros.
Miguel Rossetto representou o governo na reunião com lideranças dos caminhoneiros.

Negociações

A primeira resposta do governo foi um irredutível não à baixa do custo do diesel quando a presidente Dilma Rousseff falava em uma cerimônia de entrega de imóveis do “Minha Casa, Minha Vida” na Bahia, na quarta-feira, 25. A presidente afirmou que o governo não tem condições de reduzir o preço do diesel, mas estava disposta a continuar discutindo.

Na noite do mesmo dia, depois de extensa reunião com lideranças, sindicatos e associações, o secretário-geral da presidência, Miguel Rossetto, anunciou um pacote de medidas para pôr fim aos bloqueios no país.

A proposta acatada pelos representantes dos caminhoneiros sanciona integralmente a nova Lei do Caminhoneiro, prorroga em 12 meses os financiamentos de veículos comprados pelo BNDES e apresenta garantia de que a Petrobras não aumentará o preço do óleo diesel pelos próximos seis meses.

Rossetto ainda afirmou que o governo propôs uma mesa de negociação permanente com os caminhoneiros e empresas de transporte para que os temas relacionados aos custos de frete sejam revistos e tabelados, de modo que a classe não saia prejudicada.

Apesar das lideranças terem concordado, tudo o que os sindicatos podem fazer é repassar a mensagem, já que o protesto nacional é independente e diversificado. Depois do anúncio, a maioria dos pontos de protesto foi liberada, mas alguns dos manifestantes, que continuam insatisfeitos, se recusaram a sair do lugar.

Em resposta, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou que multas de R$ 5 mil a R$ 10 mil por hora serão aplicadas aos caminhoneiros que descumprirem a decisão. A maioria deles são autônomos e devem continuar protestando por tempo indeterminado.

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