Sabesp e Kodak: o que há em comum?
“Nesta equação falta a Sabesp fazer sua parte, investindo em obras de longo prazo e resolvendo seus conflitos de interesse, mesmo que às custas da queda de suas ações.”

O que a Kodak, que virou case de miopia de marketing, e a Sabesp têm em comum, comparando-se a tecnologia de fotografia digital e a questão da água? Apesar da origem, mercados, abrangência, produtos, serviços e modelos de negócios diferentes, há várias similaridades. Monopólio, manutenção do status quo, poder, arrogância, leniência, otimismo exacerbado, queda no valor das ações e conflito de interesses, os quais serão explorados a seguir.

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Monopólio: ocorre quando há somente um competidor dominante, seja devido a economias de escala, barreiras de entrada ou restrições legais. A Kodak tinha, em meados dos anos 1970, uma participação de mercado de 90% para filmes e 85% para câmeras nos Estados Unidos, criando uma barreira natural aos novos entrantes. Já a Sabesp por sua vez desfruta de uma posição dominante em face das restrições impostas por legislações, com o controle da cadeia da água e do esgoto na grande São Paulo.

Adam Smith e Stuart Mill exortavam os monopólios, os quais majorariam os preços e limitariam as inovações, corroborando a lei antitruste e o papel do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nas fusões e aquisições brasileiras. Há uma corrente atual, encabeçada por Peter Thiel, denominada Monopólios Criativos, cujo maior expoente é o Google, a qual defende posições dominantes quando há tecnologias superiores que tragam benefícios aos consumidores. O que, diga-se de passagem, não é o caso da empresa paulista com seu sistema de distribuição arcaico que desperdiça grande parte da água tratada.

Manutenção do status quo: acreditem ou não, a Kodak produziu sua primeira câmera digital em 1975, prevendo que algo ocorreria no mundo da fotografia. Imaginem a reação dos executivos da outrora líder de mercado frente à incipiente tecnologia que, para ser implementada, desconstruiria o modelo atual de negócios e, em última análise, seus próprios empregos. Certamente postergaram as decisões dolorosas, tal qual o rodizio em São Paulo que poderia ter sido implantado há um ano de forma mais branda. Governador e executivos defenderam os interesses corporativos em face dos consumidores, garantindo, no caso paulista, mais quatro anos a frente do estado.

Leniência: mesmo quando o barco já havia entornado e a Kodak decidido tardiamente a entrar em novos mercados, a cultura complacente, oriunda dos velhos tempos de monopólio, fazia com que decisões e implementações de caráter urgente fossem atrasadas. Qualquer semelhança com a máquina burocrática do Estado e a morosidade para colocar em prática projetos para transposição entre represas, captação de rios, tratamento de água de reuso, reparos na rede e contratação de empresas privadas para encontrar novas soluções ao uso da água, não é mera coincidência.

Otimismo exacerbado: corporações constroem cenários de longo prazo, utilizando-se de variáveis econômicas, demográficas, políticas, sociais e tecnológicas. Os resultados são analisados conforme seu impacto e possibilidade de ocorrência, sendo que quanto maiores, mais rápidas e profundas devem ser as mudanças. Neste sentido, Kodak e Sabesp podem dar as mãos, face ao descaso frente à tecnologia da fotografia digital e a possibilidade de racionamento, cujo impacto e possibilidade de ocorrência foram subavaliados.

Valor das ações: empresas de capital aberto tem como pilar maximizar o valor das ações. Várias são as críticas sobre o enfoque excessivo no curto prazo, o qual pode comprometer a manutenção do negócio em longo prazo. Este modelo tem sido questionado no caso da Sabesp, cujo acionista majoritário é o próprio governo, interessado em sua valorização e consequente pagamento de dividendos. Diversas obras essenciais de manutenção da rede e reuso de água, talvez pudessem ter sido realizadas no passado, em contrapartida à subida no valor de suas ações no período de 2010 a 2013. Conflito de interesses puro.

Duas empresas em mercados e épocas diferentes, tentando sobreviver por questões distintas. A americana sucumbiu às câmeras digitais e posteriormente aos celulares, os quais mudaram a maneira com que nos relacionamos com a fotografia. Arrogância, descaso, leniência e manutenção do status quo fizeram com que a Kodak perde-se o bonde da história. No caso da paulista, praticamente os mesmos componentes em sua gestão, porém com um componente marcante e perverso. Diferentemente da fotografia digital, não há como substituir a água, nem ao menos trocar a Sabesp por outro fornecedor.

Como cidadãos, temos a obrigação e o dever cívico de economizarmos água, assim como colocar São Pedro em nossas preces diárias. Nesta equação falta a Sabesp fazer sua parte, investindo em obras de longo prazo e resolvendo seus conflitos de interesse, mesmo que às custas da queda de suas ações. Aqui o tempo joga a nosso favor. Não há como postergar por mais quatro anos, aguardando as próximas eleições.

*Marcos Morita é mestre em administração de empresas e professor da FIA-USP e Universidade Mackenzie.

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