No posfácio de seu livro “A Cortina de Ouro”, Cristovam Buarque diz que “cada pessoa é a soma das respostas que deu ao longo da vida às perguntas que lhe foram formuladas. O sucesso depende dos acertos nas respostas. Mas os homens que mudam o próprio destino são aqueles que não se limitam a acertar respostas, mas também criam as próprias perguntas certas para o momento”.

Talvez a pergunta mais certa e adequada para o momento em que nos deparamos com a ignominiosa cifra de um bilhão de seres humanos com estômagos vazios, seja uma só: como construir pela economia uma sociedade de iguais, em que não aja tanta desigualdade no mais elementar dos assuntos, a fome? Em outras palavras, como fazer a economia funcionar em prol desse bilhão de pessoas desassistidas, capacitando-as para, no amanhã, estarem, ao menos em pé?

A resposta a essa dificílima indagação passa, indubitavelmente, por algumas considerações que envolvem, certamente, mudanças de valores, sistemas de crenças e estilos de vida.

Um dessas mudanças de valores, para ficarmos apenas nesse exemplo, talvez seja a constatação de que falta aos homens de hoje não a inteligência, mas a prática da ética; falta-lhes, talvez, abraçar o compromisso de luta em tentar fazer desse um país melhor para todos, construindo redes de solidariedade, superando o individualismo e tecendo o arcabouço do coletivismo.

A Providência Divina, é certo, nos deu, aos homens de boa vontade, a inteligência. Pelo uso dessa dádiva, as máquinas de todos os tipos e matizes, usos e funções, aí estão; a inteligência dada ao homem moderno faz a medicina avançar cada vez mais para salvar vidas; faz com que os planetas sejam explorados em pontos inimagináveis; e faz com que novas descobertas científicas saltem a todo instante; mas, no entanto, não faz com que se elimine a fome, a barbárie, as diferenças sociais, as injustiças, os desequilíbrios de ordem múltipla.

Certamente, qualquer um de nós, caso algum dia seja perguntado a respeito da fome, da miséria e da indigência que permeia a vida de quase metade da humanidade, prontamente afirmaremos, sem pestanejar, que isso nos causa ultraje. De pronto, é comum responder então, mediante esse confronto, que a existência desses males sociais trata-se, na essência, de verdadeiro absurdo.

No entanto, esses males convivem conosco de forma um tanto quanto “tranqüila”. O que falta então para mudarmos essa situação uma vez que somos, em tese, radicalmente contra a existência dessas barbaridades e entendemos, de fato, que isso afronta à boa conduta da vida e fere qualquer princípio em termos de dignidade?

Alguns dirão que falta justamente o compromisso ético? O fato de presenciar-se uma criança morrendo de fome, a meu ver, deixou a muito de ser um problema restrito de abordagem econômica; isso é hoje um problema ético – da falta de ética, para não sairmos dessa abordagem.

É certo que a inteligência, para retomarmos esse foco, nos faz interpretar o mundo; conquanto, a ética, que por vezes nos falta, nos amarra, sobremaneira, na transformação necessária desse mundo.

“Um dia ainda haveremos de considerar a fome mais cruel do que foi a escravidão”, esbraveja com razão o dominicano Frei Betto.

É necessário reconhecer, entretanto, que está nos faltando ainda um algo a mais que seja capaz de transformar esses desajustes sociais em equilíbrio harmônico, fraternal.

É importante não perder de vista, diante disso, que toda e qualquer ação humana imbuída de princípios éticos é, por essência, transformadora; constrói algo, tenta promover modificações, intenciona quebrar paradigmas. A realidade, nesse sentido, é construída pelo homem; assim recomenda a filosofia do Construtivismo.

Nada está pronto e acabado; é sempre necessária uma interação entre o indivíduo e o meio físico e social para edificar o novo.

Enquanto essa maldade de morrer de fome continuar existindo não faz sentido pensar em dinamismo econômico, em avanços tecnológicos, em progresso pessoal, em avanço espiritual. É necessário construir o “novo” sem essas maldades, pois com a existência (e persistências) dessas nada poderá ser eterno; tudo não passará de fatos efêmeros.

À cada avanço que se faz na vida, mesmo na escala pessoal, faz-se necessário, por extensão, levar esse progresso para a construção do bem-estar comum, do coletivo, até mesmo porque no final todos ganharão, visto que não estamos sozinhos, isolados nesse mundo. Dentro dessa abordagem, as relações sociais se dão, para o bem de todos, numa perspectiva coletiva; embora o individualismo insista em dar as caras e sempre se por presente.

Parece-me correto afirmar, nesse sentido, que à medida que o homem evolui, ele tende então a promover a eliminação/atenuação das diferenças sociais. Diferenças essas cada vez mais gritantes.
Além de encampar esse compromisso – o da mudança – na construção de um amanhã melhor, é necessário deixar de lado o orgulho e a jactância que por vezes muitos são acometidos e reconhecer-se, definitivamente, como seres insignificantes que somos perante o desconhecido. Afinal, o que somos? Não somos nada; nada somos. Somos apenas um entre 6,7 bilhões de pessoas – uma espécie única, perdidos entre outras três milhões de espécies classificadas. Essa imensidão de “coisinhas” vive num planeta que gira em torno de uma estrela que é uma entre 100 bilhões de outras estrelas que compõem uma galáxia que, por sua vez, está “perdidinha” entre outras 200 bilhões de galáxias; isso tudo num universo que, segundo consta, não é o único.

Somos insignificantes ou não? É fato que sim. Mas, diante disso, não podemos ser omissos. Não podemos deixar de acionar em cada um de nós os “botões” que nos movem na busca desse amanhã melhor que todos, afinal, tanto desejam.

Apesar de reconhecer-mo-nos como insignificantes perante o “desconhecido”, não se pode deixar de enaltecer que são nossas ações, ainda que ínfimas, que fazem as coisas acontecerem. Madre Teresa de Calcutá (1910-97), dentro de elevada sapiência que carregava consigo, a certa altura de sua vida afirmou que sabia reconhecer sua insignificância e se comparou a uma gota no oceano; mas tinha a plena convicção de que sem essa gotinha o oceano seria menor.

É disso que todos nós, seres humanos, precisamos. Reconhecer que mesmo uma simples ação, uma simples ajuda, um simples estender de mãos, uma política e uma proposta de compartilhamento, às vezes, se transforma em tarefa salvadora para com os mais necessitados e desprovidos que são sempre relegados à margem.

Dentro dessa perspectiva, se faz necessário aprender a tarefa de “consertar” esse mundo a partir das pequeninas ações em prol do próximo. Nossa insignificância, conforme apregoado, não pode ser fator impeditivo para essa premente mudança. O fato de sermos insignificantes perante o “desconhecido” não significa sermos inertes, passivos, complacentes com os desequilíbrios sociais. Portanto, a hora da mudança se aproxima; até mesmo porque a situação presente de anomalias sociais espalhadas mundo afora já passou do ponto.

Os cientista sociais, comprometidos com a transformação, precisam aprender uma lição fundamental: conhecimento não “se aprende”, se constrói, diria o professor Paulo Freire. Não se deve, portanto, esperar pelo pedido de ajuda; é necessário lançar-se nesse oferecimento. É necessário “construir” esse canal de ajuda mútua.

Esses cientistas sociais, dos quais o economista moderno, por tratar desse assunto com acuidade em seus estudos, precisa ser audacioso na hora de propor a transformação da sociedade. No entanto, não se pode lançar-se nesse empreendimento como um aventureiro; e muito menos confundir audácia com aventura. A mudança se faz com os audaciosos, não com os aventureiros. A audácia constrói, edifica mundos novos; a aventura, mais cedo ou mais tarde, apenas soçobra. O audacioso avança; o aventureiro regride.

Em especial ao economista moderno, cabe aqui uma recomendação: deverá esse estudioso ser audacioso e ser também um sonhador. Sonhar com a construção de um mundo mais digno, ainda que muitos por isso venham a chamá-lo de utópico. Sonhar com utopias faz bem à alma; aventurar-se na construção delas é o que dá sentido à vida. E estendo essa análise aos economistas, em especial, pois vejo nessa categoria os profissionais que podem ser, na medida, verdadeiros apóstolos das transformações sociais, principalmente pela penetração que a economia (enquanto ciência e atividade produtiva) tem junto às políticas públicas.
Ainda que se reconheça a insignificância que carregamos em nós, esse economista moderno precisa estar atento para o processo que clama pelas mudanças. O poeta Fernando Pessoa (1888-1935), nesse pormenor, assim resumiu tal pendência: “Não sou nada, não fui nada, nunca serei nada / Afora tudo isso, trago em mim todos os sonhos do mundo”.

Para construir essa utopia do possível, o economista moderno precisará fazer com que sua ciência abra canais de comunicação com outras ciências sociais num mundo que me parece cercado de questionamentos e de pouquíssimas certezas. Certamente, estamos num mundo em que mesmo a capacidade de sonhar tem sido, por vezes, sacrificada e maltratada mediante os abusos em nome dos privilégios de uma minoria que se sobrepõe com força destrutiva sobra a maioria.

Mas, sonhar é assim mesmo: nem sempre é fácil, por diversas vezes é complicado. Nem sempre o futuro próximo se apresenta recheado de colorido; por vezes, esse tempo próximo a que chamamos de futuro se apresenta nublado, carregado, como que possuindo um semblante pesado, denso.

Mesmo diante disso, do nebuloso e obscuro, é necessário não perder de vista a capacidade de sonhar. A frase a seguir, com a qual fecharemos esse assunto, é atribuída ao pastor Martin Luther King (1929-68), e me parece propícia para se encaixar nesse exemplo: “Se eu desconfiasse que o mundo acabaria amanhã, hoje mesmo eu seria capaz de plantar uma árvore”.

É esse o tipo de sonho e de esperança que não se pode perder.

Por:

Marcus Eduardo de Oliveira
Economista e professor do UNIFIEO, da FAC-FITO e da Faculdade de Vinhedo.
Mestre pela USP e Especialista em Política Internacional.

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