Por Marcus Eduardo de Oliveira (*)

“Se não fizermos os ajustes necessários para atingir uma economia sustentável, condenaremos nossos descendentes a uma situação infeliz em 2050. O mundo se tornará cada vez mais poluído e mais despojado de peixes, combustíveis fósseis e de outros recursos naturais. Durante algum tempo, essas perdas poderão continuar a ser mascaradas pela enganosa contabilidade baseada no PIB, que mede o consumo de recursos como se fosse renda. Mas, em determinado momento, o desastre será sentido”.
Herman Daly

O processo de acumulação de capital que no entendimento do velho Marx finca raízes a partir do século XV com a expulsão dos camponeses de suas terras, o saque das colônias e o tráfico de escravos, dentre outras situações, nos dias de hoje encontra repouso na absoluta e contestadíssima internacionalização da produção e das finanças.

A dinâmica desse processo de internacionalização que corre solta via fluxo de capitais, atende pelo conhecido nome de globalização ou, no tratamento dado pelos economistas franceses a esse “fenômeno”, também responde pela alcunha de “mundialização”.

Pois bem, será que essa dita globalização (em especial as ocorrências que se dão estritamente sob o âmbito das finanças internacionais via fluxo de capitais) pode significar uma nova (seria, então, a quarta?) fase do capitalismo?

Seria essa uma quarta fase (a se desenrolar nesse século 21) de um sistema econômico-financeiro que já passou pelas fases comercial (séculos 16 e 17), industrial (séculos 18 e 19) e financeira (século 20)?

Tal indagação, em nosso julgamento, se prende a partir de uma constatação inequívoca. Parece-nos que essa possível nova quarta fase em que o capitalismo ingressa é perceptível à medida que verificamos um sistema capitalista cada vez mais completo e maduro, uma vez que antes, nas fases anteriores, era completo apenas em relação a duas situações específicas: o comércio mundial e a exportação de capitais.

No entanto, o fato é que nos tempos atuais esse sistema capitalista ao se expandir por qualquer “praça financeira”, num ritmo on line e real time, cria mais espaços num grande mercado consumidor, fortalecendo a dinâmica desse sistema concentrador de decisões cada vez mais nas mãos de poucos grupos dominantes, em especial grupos que atuam no setor financeiro e industrial.

Dentro dessa característica bem peculiar, a atuação desse sistema capitalista-monopolizador pode ser resumida, grosso modo, na obtenção de elevadas taxas de lucro, no acúmulo e formação de riquezas e na expansão dos negócios comerciais. Por conceituação, esta é a marca de nascença significativa do sistema capitalista que, em essência, se presta unicamente a acumular capital para gerar lucros e, com os lucros gerados e reinvestidos, se põe em marcha para acumular ainda mais riqueza.

Dito isso, aqui vale reafirmar que o capital somente se acumulará caso o mesmo venha a se reproduzir, mesmo que para essa tal reprodução não seja respeitado nenhum limite – nem o ecológico, nem o econômico e, muito menos, o social.

Conquanto, a partir do momento em que o capital se lança em passos largos na tentativa de se reproduzir, essa globalização cada vez mais unificada, põe num mesmo balaio, em nome dos rápidos retornos financeiros, todo o ciclo econômico – produção – circulação – distribuição – consumo. Assim, parece possibilitar, por conseqüência, a ocorrência de crises econômicas mundiais. Crises essas que, num mundo interligado, dito, pois, global, somente potencializam essas crises em alto risco colocando a “própria existência” desse capitalismo em perigo.

Onde está o perigo?

Parece ser de senso comum que esse capitalismo, uma vez mergulhado nessa nova (a quarta?) fase, tem se mostrado, desde seu surgimento, altamente eficiente quanto à alocação de recursos; no entanto, se comporta de maneira péssima (totalmente ineficiente) quanto à distribuição de benefícios.

A fim de se comprovar tal afirmativa chamamos a atenção, nesse pormenor, para a estúpida e desigual concentração de renda e as precárias condições a que estão submetidas quase 3 bilhões de pessoas que habitam a nave-mãe Terra. A existência da pobreza se dá não pelo desconhecimento das formas de erradicá-la, mas sim pela distribuição desigual dos recursos, fruto da concentração de posses/recursos em poucas mãos. Os recursos para uma vida melhor para todos existem; no entanto, são alocados desigualmente.

Ademais, os economistas sabem bem que alocar recursos é uma coisa; distribuí-los de forma justa, equânime, com a participação da maioria, é outra bem diferente. Cabe reiterar, por exemplo, que metade da população mundial passa fome não pela escassez de alimentos, mas sim pela irregular e desleal distribuição desses. Não é que esteja faltando o bolo. O bolo existe – sempre existiu. O problema é que não é (nunca foi) fatiado de maneira igual. Assim também acontece com o acesso à água potável, aos sistemas de saúde e educação. É a riqueza exagerada de um lado versus a pobreza crônica de outro. De um lado sobra; do outro, falta.

Em relação a esse aspecto insistimos que os economistas são sabedores de que uma boa e adequada distribuição, por si só, é responsável por fechar o ciclo de produção que se “desencadeia” com o consumo. Uma adequada distribuição (entrega) de recursos aos mais necessitados tem o mesmo significado que realizar um “consumo eficiente” num mercado tido como “normal”. Não se trata aqui do velho e bom dilema entre dar o peixe ou ensinar a pescar. Face à crescente e vexatória desigualdade, a questão passa mais pela lógica matemática: atender aos mais necessitados no curto prazo ou esperar pelo longo prazo, correndo o risco da assertiva keynesiana de que, nesse tempo último, “todos estaremos mortos”?

Já que o bolo existe, não se deve esperar pelo seu crescimento para fatiá-lo. A demora, nesse caso, pode ser fatal.


E quanto aos limites do capitalismo?

De tanto acumular capital e expandir a capacidade produtiva fazendo jus a essência capitalista, os limites dessa ação acumulatória (e predatória, por conseqüência) acaba por inviabilizar a continuidade desse processo à medida que ultrapassa os limites do ponderável. Afinal, para tudo – inclusive para o próprio capitalismo – há limites.

Diante disso, a questão que se apresenta então é a seguinte: chegamos ou não ao limite desse processo produtivo que usa e abusa dos recursos naturais?

Antes de nos “arriscarmos” a uma resposta, cumpre ressaltar o caráter paradoxal dessa situação. Vejamos primeiramente as razões dessa refutação.

Apesar do crucial desenvolvimento em vários setores produtivos e do intangível avanço técnico-científico, com a globalização e a integração dos mercados puxando esse “avanço” à frente, facilitado pelo fim das fronteiras e pela queda de barreiras alfandegárias, parece que, somente por tais fatos, finalmente, o sistema capitalista se aproxima do limite de reprodução, uma vez que parece não encontrar impedimentos aos seus “impulsos” produtivos.

Esse limite, entretanto, parece fazer sentido quando pensamos que o capitalismo, por si só, já desenvolveu plenamente todo seu potencial produtivo. De que maneira entendemos isso? A resposta é simplista. Basta verificar o meio ambiente para percebermos que os recursos naturais já se encontram mais do que esgotados frente a um processo de desenvolvimento que nos últimos séculos desrespeitou a racionalidade ambiental colocando a existência da Terra em perigo.

A conclusão é una e plausível. O limite ecológico da Terra está saturado. Nos últimos trezentos anos foram usados mais recursos naturais do que em toda a história da humanidade. Nos últimos 150 anos extraiu-se a exaustão minério de ferro, de manganês, bauxita, cassiterita e enxofre. Nas últimas sete décadas viu-se extrair mais cobre, vanádio, nióbio, grafita e tântalo desde que a vida grassou na Terra há 3,5 bilhões de anos. Apenas nos últimos cinqüenta anos foram poluídos mais rios, lagos e mares desde que o animal racional homem colocou seus pés na Terra. O ar nunca esteve tão poluído como no último quarto de século.

A água hoje escasseia, o clima piora a cada momento e os alimentos há muito deixaram de ser “puros” – o que predomina são os transgênicos e os “enxertados” regados a agrotóxicos.

A lógica burra do capitalismo que faz exceder a produção pela busca dos ganhos financeiros de maneira rápida, apenas contribui para conduzir o sistema econômico às mais variadas crises globais. Esse estúpido excesso de produção, que finca estacas num modelo de consumo ambiental insustentável, se tornou, por definição, perigoso e potencialmente auto-destruidor. Talvez seja essa a contradição mor desse sistema.
O desrespeito ambiental que grassa sob as cinzas do imponderável parece realmente não ter limites. A cada ano, aproximadamente 17 milhões de hectares de floresta tropical são desmatados. A sociedade moderna, em especial o lado Norte do planeta, que consome 85% da produção mundial, joga no ralo imensa quantidade de recursos naturais, além de agredir tanto a fauna quanto a flora. Nos últimos cinqüenta anos o tema recorrente nos seminários internacionais de ambientalistas foi a extinção de várias espécies de animais. Por causa do uso medicinal de chifres de rinocerontes em Sumatra e em Java, por exemplo, esse animal foi caçado até o limiar da extinção. A poluição do ar, dos rios, do solo é outra grave ameaça à biodiversidade do planeta. Na Suécia, a poluição e a acidez das águas impedem a sobrevivência de peixes e plantas em quatro mil lagos do país.

O último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) afirma que até 2006 a Amazônia acumulou uma perda de 17% da sua vegetação total nos nove países que possuem trechos da floresta tropical. A área total desmatada no período foi de 857.666 quilômetros quadrados. Até 2006, a Floresta Amazônica sofreu desmatamento equivalente a 94% do território total da Venezuela. Esse desmatamento da Amazônia provocou a extinção de 26 espécies de animais e plantas até 2006.

Se de um lado cresce o PIB, do outro cresce mais ainda a destruição ambiental. Nos últimos 10 anos a taxa média de crescimento do produto interno bruto chinês foi de 9% ao ano. Apenas a China, país que depende do carvão para geração de eletricidade, consumiu em 2006 388 milhões de toneladas de aço (30% do consumo mundial) e 1,24 bilhão de toneladas de cimento (54% do total do planeta). As duas indústrias (aço e cimento) estão entre as mais poluentes do mundo. Setenta por cento dos rios chineses, incluindo o principal deles (o rio Amarelo), estão poluídos.

Esse conflito entre produção econômica versus agressão ambiental se resume e encontra confortável morada na lógica burra do capitalismo que “vive e se alimenta”, unicamente, para acumular capital, sempre “conectado” aos ganhos de escala “desrespeitosa” de uma produção “destruidora”.

Em outras palavras, por mais irônico que possa parecer é o próprio acúmulo de capital – dentro dessa lógica do ganhar a qualquer custo – que tende a levar o sistema capitalista à estagnação e, por conseqüência, a vida do planeta à bancarrota. Ao atingir-se o “limite de reprodução” torna-se contraproducente manter o sistema em funcionamento. Aliás, o “sistema” deixa de funcionar. Com isso, aos poucos, o capitalismo vai “se enforcando” em suas próprias cordas levando todos nós juntos nesse “suicídio coletivo”.

O autor é economista e professor universitário, com mestrado em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP).
É autor de “Conversando sobre Economia” (Ed. Alínea)
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