“Estados pertencentes às regiões dinâmicas sul e sudeste (...) não admitem que estados que ao longo dos anos se caracterizaram como meros fornecedores de insumos de baixo valor agregado passem a se industrializar e melhorar seus níveis de renda.”

A ausência de uma política nacional de desenvolvimento que de fato considere as especificidades do regionalismo brasileiro tem levado os estados, nos últimos 40 anos, a utilizarem seu principal imposto, o ICMS, como instrumento legítimo de desenvolvimento.

Por um lado esta política permitiu que estados que formam as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste passassem a diversificar suas economias. Por outro, vem contribuindo juntamente com as deseconomias de aglomeração, para que as capitais dos grandes centros urbanos perdessem investimentos já consolidados em seus espaços econômicos.

A queda de braços travada entre as unidades da federação por novos investimentos e pela manutenção daqueles já consolidados em seus territórios foi intitulada de Guerra Fiscal.

Por que Guerra Fiscal?

Pela disputa existente entre estas mesmas unidades da federação, no sentido de atrair novos investimentos que os auxiliem no atendimento crescente de suas demandas.

Na verdade, não se trata de guerra e sim de competição entre as unidades federadas. A competição faz parte do modelo capitalista? Não só faz como está na essência deste modelo. Quem ganha e quem perde com esta competição?

Os consumidores ganham, pois a concorrência leva as empresas a produzir produtos de melhor qualidade com melhores preços. Há também ganhos para as empresas e para os estados. As empresas diluem seus custos de produção, uma vez que passam a se utilizar dos benefícios das economias de aglomeração na formação de seus preços, facultando-as com isso produzir fora dos mercados de consumo potenciais e, ao mesmo tempo, colocar seus produtos para serem comercializados nestes mesmos mercados. Os estados também ganham, pois melhoram seus indicadores econômicos, financeiros e sociais.

Se isto ocorre, por que grande parte destes defende, junto com São Paulo e o governo federal, a finalização dos incentivos e/ou benefícios fiscais que dão margem a este tipo de competição? Porque não querem colocar as mãos nas verdadeiras feridas que teimam em sagrar as contas públicas.

Os estados pertencentes às regiões dinâmicas sul e sudeste, em que pesem seus problemas estruturais, não admitem que estados que ao longo dos anos se caracterizaram como meros fornecedores de insumos de baixo valor agregado passem a se industrializar e melhorar seus níveis de renda. Na verdade, os querem dependentes e pobres.

O mesmo fato ocorre em relação ao governo federal, cujos ministérios mais importantes e estratégicos têm à frente pessoas advindas dos estados mais dinâmicos e, portanto, não aceitam o crescimento acima da média nacional por parte de estados que integram as regiões consideradas periféricas.

Qual a melhor maneira de cercar o crescimento de um Estado que integra as regiões periféricas? Retirando destes o instrumento que o torna competitivo. Ao assim proceder, contribui-se para que haja, no curto prazo, fuga de investimentos para os mercados potenciais de consumo, além do agravamento histórico das desigualdades sociais e regionais existentes entre estados considerados dinâmicos e periféricos.

Como se não bastasse defender a unificação de alíquotas de ICMS, querem também modificar o sistema de cobrança deste imposto, passando da origem para o destino. Modificar a metodologia de cobrança provocará enormes perdas aos estados integrantes das regiões periféricas, uma vez que lhes faltam mercados potenciais em consumo, situação que não se verificam com aqueles que integram as regiões sul e sudeste do país.

A forma de compensação proposta pelo governo federal viria da criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional com recursos da ordem de R$ 296 bilhões, aliado a um Fundo de Equalização de Receitas para compensar os estados que mais perderiam. A questão que se coloca é que nesta proposta estão desconsiderando os efeitos multiplicadores que a concessão destes subsídios fiscais causa sobre a arrecadação de ICMS.

Não obstante, propõe-se ainda a convalidação de todos os incentivos e benefícios fiscais concedidos à margem das regras estipuladas pela Lei Complementar nº 024/75, no âmbito do Confaz. Acena com período de transição de 10 anos, a contar da data de sua aprovação, aceita também modificar o indexador das dívidas dos estados, que atualmente são corrigidas pelo IGPD-I, para o IPCA + 4,0% ou pela Selic, caso esta seja mais baixa.

Neste contexto há perguntas que não querem se calar, dentre as quais: Após o período de transição, como os estados integrantes das regiões periféricas irão fazer para que seus produtos continuem sendo competitivos nos mercados potenciais de consumo? Qual será o critério de repasse dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional? Será o mesmo adotado pelo BNDES, de priorizar as regiões mais dinâmicas em detrimento das periféricas?

E os repasses do Fundo de Equalização de Receitas seguirão os mesmos passos dos repasses até então realizados pelo governo federal com relação à Lei Kandir? Isto porque nunca foi repassado na íntegra o valor acordado entre as partes pelo ente federal.

E as obras de infraestrutura que se arrastam há décadas e que poderão vir a dar competitividade também aos estados periféricos serão ainda concluídas em tempo hábil? Destaque para Ferrovia Norte Sul, Centro Atlântica, Hidrovia Tietê Paraná, dentre outras de igual ou superior importância.

Portanto, a saga dos incentivos e/ou benefícios fiscais no Brasil tende a continuar porque não se tem respostas claras e concisas para evitar que os gargalos que impedem o desenvolvimento dos estados e do próprio país possam ser reduzidos. Pelo contrário, tendem a continuar trazendo enormes prejuízos para a economia e à sociedade, contribuindo para manter o clima de insegurança jurídica para a realização em tempo hábil de novos investimentos, comprometendo no curto, médio e longo prazo os resultados dos indicadores macroeconômicos, em destaque: a produção, a renda qualidade dos dispêndios.

* Júlio Alfredo Rosa Paschoal é mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFU-MG, Conselheiro Federal de Economia e Chefe do Gabinete Adjunto de Planejamento Qualidade do Gasto e Investimento da Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás.

* Este texto foi originalmente publicado no site do Conselho Federal de Economia.

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