As crises e a industrialização brasileira
Em artigo, doutor em economia, Nilton Pedro da Silva recorre à história para mostrar como as crises internacionais ajudaram a indústria brasileira.

A industrialização brasileira teve seu início e evoluiu, aos trancos e barrancos, com o que se convencionou chamar de Teoria dos Choques Adversos, ou seja, quando, a partir de estrangulamentos externos, foram mobilizados os recursos internos disponíveis para fazer frente às carências provocadas pela interrupção dos fluxos comerciais destinados ao país. Procurava-se, assim, através do investimento industrial, atender à demanda reprimida, decorrente da cessação ou diminuição drástica desse movimento de importação de produtos manufaturados.

Nessas circunstâncias, o Brasil desencadeou a implementação do seu processo de industrialização, com a eclosão da I Grande Guerra (1914-1918), que impôs tremenda retração no fornecimento dos bens e serviços que o país então demandava das potências envolvidas no conflito.

Na verdade o processo seminal de nossa industrialização verificou-se na região Nordeste do país quando, em fins do século 19, a indústria açucareira nordestina, depois de sucessivas crises, forneceu os ingredientes necessários para sua deflagração, como a inovação revolucionária do tear mecânico, crucial para a expansão mundial da indústria têxtil, vetor da revolução industrial, e o capital dinheiro remanescente da então cambaleante economia açucareira que, segundo Celso Furtado, “foi, em sua melhor época, o negócio colonial agrícola mais rentável de todos os tempos”. Além, evidentemente, da proatividade do capitalista inovador, pré-schumpeteriano, embora ainda predominantemente mercantil, revelado pela agroindústria do açúcar.

Exemplo conspícuo do pioneirismo da industrialização do Nordeste é o estado de Sergipe, que foi chamado de pequena Bélgica, em virtude da implantação, de mais uma dezena de fábricas têxteis a partir do final do século 19 e início do século 20, em vários dos seus municípios, entre eles Aracaju, São Cristóvão, Neópolis, Riachuelo e Estância.

Por outro lado, historicamente, a fase mais consistente da formação da sociedade industrial brasileira, dar-se-á a partir das crises da economia cafeeira, quando sua oferta supera extraordinariamente a demanda mundial do produto. A complexidade da economia cafeeira, que ensejou a expansão do incipiente sistema bancário brasileiro, possibilitou a combinação da grande acumulação de capital dinheiro, a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado da mão de obra imigrante europeia, a expansão da urbanização e o desenvolvimento científico e tecnológico da época. Aí surge, também, um empresário inovador mais sofisticado, que passou a beneficiar-se das maiores facilidades do sistema de crédito e do crescimento mercado interno.

Entretanto, são os estrangulamentos externos que propiciam os grandes surtos de desenvolvimento industrial do Brasil. Foi assim, no século 18, quando uma revolta de escravos destruiu a então moderna indústria açucareira do Haiti, oferecendo sobrevida a sua símile do Nordeste brasileiro. Ocorreu algo semelhante com a débâcle da cultura do algodão norte-americano, em razão da Guerra da Secessão, que veio a impulsionar nossa produção algodoeira para exportação e, mais tarde, a nascente indústria têxtil brasileira do Nordeste.

Mas os críticos acontecimentos externos que viriam oferecer mais consistência e sustentabilidade ao processo de industrialização brasileira foram a I Grande Guerra (1914-1918), a Grande Depressão de 1929 e a II Grande Guerra (1939-1945), embora outros eventos, mundialmente importantes, tenham afetado de diferentes formas nossa emergente economia.

A I Grande Guerra marca o início da supremacia do eixo industrial do Sudeste ante a indústria do Nordeste, ainda sob a hegemonia da atividade têxtil, mas que, gradativamente iria experimentar a complexidade e diversificação industrial que hoje observamos naquela região.

A Grande Depressão de 1929 representou o teste mais difícil para a economia do país, com o agravamento da crise de superprodução do café, porém ensejou a demonstração de sua capacidade de superação dos momentos mais críticos do seu desenvolvimento, pois adotou, a despeito da reprovação interna e externa, a política de destruição de estoques acumulados em razão da forte retração da demanda internacional. Tal política consubstanciara-se na adoção de um keynesianismo pré-Keynes, que viria a revelar-se exitosa no combate à queda dos preços internacionais do café e na manutenção do nível de emprego interno.

Já a II Grande Guerra, com a adesão do país aos Aliados, ensejou a implantação do principal marco da plena constituição do capitalismo brasileiro: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e da Companhia Vale do Rio Doce. A partir daí, diz-se que o capitalismo brasileiro passou a andar com seus próprios pés.

Diante do exposto, tem-se a impressão, apesar das características e dimensões ainda imprecisas da atual crise financeira mundial, que o Brasil poderá de alguma forma, como o fez no passado remoto e recente, beneficiar-se da situação criada pelo país líder da economia mundial para empreender o aperfeiçoamento de suas instituições políticas educacionais e empresariais e poder enfrentar de maneira mais vantajosa as futuras crises que a índole do capitalismo nos reserva.

* Este artigo foi originalmente publicado no site do Cofecon.

** Nilton Pedro da Silva é doutor em economia e advogado, ex-conselheiro do Cofecon.

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