Recente estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no Brasil demonstra que mais da metade da população brasileira encontra-se endividada. O estudo realizado com 3.810 pessoas mostra, no entanto, que apenas 11% dessas famílias se consideram “muito endividadas”.  Tal percepção é importante, pois aponta para o fato de que a maioria dessas famílias não enxerga seu grau de endividamento como um problema (o que permite que muitos ainda venham a contrair dívidas, se a oferta de crédito assim permitir). Nesse sentido, aí reside um problema, ainda mascarado pelo crescimento econômico. O risco de banalização do crédito e da sua utilização sem medidas pode-se constituir num aumento generalizado de endividamento, inadimplência e, por conseguinte, num aumento da taxa de juros do comércio, penalizando, em médio prazo, o crescimento econômico sustentado. Essa lógica não vale somente pro Brasil e sim para os países que têm a mesma problemática.

Uma questão importante para explicar o aumento do endividamento das famílias passa precisamente pela maior oferta de crédito para financiamento da casa própria, de automóveis e do crédito consignado que receberam grande impulso com o crescimento da renda formal e a ascensão de milhões de pessoas para as classes C e D. Nesse mesmo sentido, um estudo recente do instituto de pesquisa Data Popular do Brasil aponta para a entrada de milhões de brasileiros na sociedade do consumo nos últimos anos, o que mudou o perfil da classe média brasileira. Dados mostram que pessoas com renda entre R$ 1.530 e R$ 5.100 já representam metade da população brasileira.

O crescimento da classe C é um fenômeno mundial, e representa, apesar da crise financeira, o nível de aumento de produção mundial. A maioria de países emergentes está renovando as características das suas classes médias, o que configura um excelente mercado para empresas que queiram trabalhar com esse setor.

É nesse cenário que as instituições financeiras têm investido, oferecendo linhas de financiamento em um grande número de prestações, o que contribui para que a demanda reprimida dessa grande parcela da população pudesse ser liberada e convertida em consumo. Consumo que muitas vezes é feito de forma não consciente (não adequado à renda do endividado). Dados da Associação Comercial de São Paulo, no Brasil, mostram que 88% do público endividado ganha até quatro salários mínimos (aproximadamente US$ 1.146,00) e 74% dessa população tem até 40 anos. Ainda dentro dessa categorização, as causas do endividamento e da inadimplência recaem no desemprego (38%) e no descontrole dos gastos (14%).

Precisamente, nesse último dado obtêm-se uma constatação: a maioria de brasileiros não sabe administrar o seu dinheiro. Muitas vezes somos levados por uma eficiente onda de consumismo generalizado, comandado pelas empresas de publicidade, que se incrementa a cada feriado ou data comemorativa. Um dado peculiar dessa onda de endividamento recai nos jovens brasileiros, 38% dos endividados têm até 30 anos. E é nessa parcela da população que há elementos de vulnerabilidade de consumo, associados com impulsividade do consumo, característica desta população. Mesmo assim, a população jovem é intensivamente assediada pelo setor financeiro. Mensagens de texto com os dizeres: “prezado cliente, o Banco X precisa de você! Temos uma campanha para você jovem cliente…” são enviados incessantemente para os seus telefones celulares na procura de novos usuários do crédito.

Paralelamente, a economia brasileira vem demonstrando grande força, justamente por causa do aquecimento do mercado interno. Em parte, é isso o que explica nossa passagem pela crise financeira internacional nos últimos anos sem muitos problemas. O IPEA também nos fornece instrumentos para avaliar a direção que tomará esse movimento através de seu novo “Índice de Expectativa das Famílias”, divulgado em 31 de agosto desse ano.

A julgar pelo estado de expectativa do consumidor medido pelo IPEA, 58% das famílias espera melhorar sua situação econômica nos próximos 12 meses e 73% acredita que a situação econômica de hoje está melhor do que no passado. Em muitos casos, associa-se o aumento do consumo ao sucesso na vida. Ainda segundo o Índice de Expectativas familiares, 53% das famílias acreditam que o momento atual é propício para a aquisição de mais mercadorias.

Nesta realidade, estamos dentro de uma perspectiva que pode se tornar perigosa para a economia se algumas medidas não forem adotadas.

Sugerem-se duas ações: primeiro, realizar um controle exaustivo e regulador nas entidades financeiras, de forma a contingenciar a banalização do fornecimento do crédito e, segundo, disseminar efetivamente conceitos de educação financeira e de consumo consciente que, de alguma forma possam aproveitar melhor a renda do brasileiro.

Atualmente discute-se a inserção da disciplina de Educação Financeira no Ensino Médio, isso já é um grande avanço.

O crédito é um elemento importante para qualquer economia, mas seu controle adequado pode evitar crises sistêmicas como as evidenciadas recentemente em países desenvolvidos.

* Hugo Eduardo Meza Pinto é economista, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e professor das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba.
** José Guilherme Vieira é economista, doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba e da UFPR.

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