Quem acessou, leu ou assistiu aos noticiários econômicos brasileiros desde o início de 2015 se deparou com uma expressão exaustivamente repetida, analisada, criticada e elogiada: ajuste fiscal. Mas em que consiste a principal política econômica da equipe do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy? Talvez mais importante que a maneira como as medidas estão sendo aplicadas seja os porquês da austeridade ser uma necessidade.

Guido Mantega e os estímulos
O ministro Guido Mantega foi o mais longevo do período democrático. Ficou à frente da Fazenda por 8 anos.

Guido Mantega e os estímulos

O ítalo-brasileiro nascido em Gênova entrou no ministério da Fazenda em março de 2006, às vésperas da reeleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo com a traumática saída de Antônio Palocci, acusado de corrupção, o momento econômico brasileiro não era dos piores. O mundo ainda não tinha passado pela crise de 2008 e Mantega se estabeleceu bem no ministério.

Lula foi reeleito com mais de 58 milhões de votos e manteve a equipe econômica liderada por Mantega. Quando a crise internacional de 2008 bateu, o impacto veio como desvalorização de algumas cotações na Bolsa e na falta de crédito no mercado mundial. A frase do então presidente em outubro daquele ano, dizendo que a crise que atingiu os Estados Unidos como uma tsunami chegaria ao Brasil como uma “marolinha” foi extremamente criticada, mas a ameaça de recessão da época realmente durou menos de um semestre, já que, na segunda metade do ano seguinte, o país voltou a crescer 1,9%.

O erro de Guido Mantega, segundo analistas, foi estender uma política de estímulos para além do que o Brasil estaria preparado. Ele pretendia sair do ministério em 2011, no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, mas a ameaça de recessão voltou a bater à porta e o ministro achou que abandonar o barco seria uma atitude desleal.

O período de gestão da presidente Dilma foi marcado na economia pela desoneração de alguns impostos importantes, como do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), para alguns setores, principalmente o automobilístico.

O boom do consumo aconteceu e a taxa de juros do Banco Central se manteve, por conta da economia aquecida, ficando na faixa de 7% a 8,5% em 2012.

Desonerações

Em 2013, o ministro chegou a afirmar que as desonerações de tributos eram a prioridade econômica do país. Foram reduzidos os preços de itens da cesta básica, produtos industrializados e, em 2011, reduziu impostos na folha de pagamento.

Além da queda nos impostos de bens de consumo, a presidente Dilma Rousseff sancionou em janeiro 2013 a queda de 18% na tarifa de energia elétrica para residências e 32% para indústrias e agricultura.

2014

No ano passado, a crise voltou a ameaçar e a economia sofreu por conta da interferência política. Mesmo com os bons números de desemprego, principal bandeira da gestão Dilma, a pressão social a respeito dos altos investimentos na Copa do Mundo e as eleições presidenciais de outubro impactaram em uma visão negativa sobre as decisões anunciadas.

Entre os principais problemas estavam as altas dos combustíveis e da conta de luz que, mesmo necessárias, foram adiadas.

Leia nosso especial sobre as crises de distribuição hídrica e energética: http://colla.bo/fLmxz

Com a ameaça da inflação e a taxa básica de juros voltando aos dois dígitos, estas tarifas foram seguradas e incorporadas pelo governo para o controle da inflação. Mesmo assim, ao fim do ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo chegou aos 6,41%, quase atingindo o teto da meta. A meta da inflação do governo Federal é centralizada em 4,5%, com dois pontos percentuais para mais (6,5%) ou para menos (2,5%).

A decisão do governo em custear a gasolina e a energia elétrica mais cara reduziu a poupança, impedindo que a meta do superávit primário de 2014 fosse alcançada. Isso criou um rombo nas contas públicas que, ou eram repassadas aos consumidores, ou prejudicariam ainda mais a situação fiscal.

Além do repasse do Tesouro a esses setores, as desonerações fizeram com que a arrecadação despencasse, gerando um desequilíbrio perigoso.

Joaquim Levy e o ajuste fiscal
A política de Joaquim Levy vem com o intuito de fazer o país economizar o que pode em busca da retomada de crescimento.

Joaquim Levy e o ajuste fiscal

A saída de Mantega do ministério depois de ser o mais longevo ministro da Fazenda do período democrático deixou intrigados os analistas políticos de todo o país. A economia criativa de estímulo ao consumo não estava mais funcionando e a crise econômica internacional começou a pesar e oscilar a balança equilibrada entre um nível exemplar de desemprego e uma inflação alta perto de ultrapassar os limites.

O crescimento do PIB que chegou a ser de 7,5% em 2010 despencou nos últimos quatro anos. Passou para 2,7% em 2011, a 0,9% em 2012 e ensaiou recuperação com um progresso de 2,3% em 2013. Os números oficiais de 2014 ainda não foram oficialmente divulgados, mas as previsões apontam para uma evolução mínima, perto do 0%.

A aposta da presidente, reeleita sob promessa de retomar o progresso financeiro, foi no secretário do Tesouro do primeiro mandato de Lula, Joaquim Levy, que, na época, recebeu o apelido de ‘mãos de tesoura’ por sua atuação tradicional e ortodoxa na economia.

Foi uma clara mensagem de que a presidente Dilma Rousseff apontaria os rumos da política econômica para medidas de austeridade. A escolha foi elogiada, inclusive, por líderes da oposição, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dizendo que Levy seria “um estranho no ninho”. Armínio Fraga, ministro da Fazenda de FHC foi mais longe e disse que “Levy é uma ilha em um mar de mediocridade”.

O ajuste

A política de ajuste fiscal da nova equipe econômica é o que se chama de austeridade, o que pode ser resumido basicamente em diminuir tanto quanto possível os gastos do governo Federal para recuperar o superávit primário (reserva do governo para o pagamento da dívida pública) e diminuir a inflação. O modelo clássico que busca economizar a todo custo é tido como o principal responsável pela recuperação da Alemanha e de alguns países na zona do Euro.

Alguns teóricos contestam o modelo. Para que haja a economia, dizem, alguns setores que necessitam de mais liberdade financeira acabam injustamente atingidos e, hoje em dia, essa não é vista como a única saída de uma crise ou ameaça de recessão.

No Brasil

Levy fez jus ao seu apelido quando assumiu a pasta do ministério.

Começou com um decreto que reduziu os gastos para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o estabelecimento de um limite de R$ 75 bilhões no custeio de obras e investimentos no período de janeiro a abril. Estima-se que esta medida vá gerar uma economia de R$ 58 milhões para os cofres públicos.

Aumentou a alíquota do PIS/Cofins e trouxe de volta o imposto Cide: medidas que entraram em vigor em fevereiro e aumentaram o preço da gasolina em R$ 0,22 por litro e R$ 0,15 para o óleo diesel. A economia estimada é de R$ 12,2 bilhões em 2015. O IOF passou de 1,5 para 3% em empréstimos, o que encarece os juros aos consumidores e deve gerar retorno de R$ 7,4 bilhões.

Além destes, o fim de algumas desonerações trouxe alguns impostos de volta, como o IPI dos automóveis, que elevou as alíquotas de 3% para 7% em modelos 1.0, de 9% para 11% em modelos entre 1.0 e 2.0 e, em veículos com maior capacidade volumétrica de combustível, o imposto aumentou de 10% para 13%. O fim destes incentivos à produção automobilística deve ter um impacto positivo de R$ 5 bilhões neste ano.

Controvérsias
“Entre os cortes, alguns impactos em benefícios sociais geraram discussões e questionamentos sobre o próprio posicionamento do PT em relação a direitos trabalhistas.”

Controvérsias

Entre os cortes, alguns impactos em benefícios sociais geraram discussões e questionamentos sobre o próprio posicionamento do PT em relação a direitos trabalhistas, que correspondem à principal bandeira do partido desde que foi criado. Os acessos ao Abono, Seguro-Desemprego, Pensão Por Morte e Auxílio Doença foram reduzidos a partir de fevereiro.

A volta dos impostos da folha de pagamento para empresários também gerou discussão após ser rejeitada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que considerou a mudança feita através de uma Medida Provisória inconstitucional. No mesmo dia, a presidente mandou a mesma proposta ao Congresso como um projeto de lei com caráter de urgência que, caso seja aprovado pelo legislativo, começa a vigorar em junho.

Leia mais sobre as novas regras do seguro-desemprego: http://colla.bo/OeNfP

Os cortes nos benefícios e a desoneração da folha devem gerar saldo positivo de R$ 18 bilhões e R$ 5,3 milhões, respectivamente. As medidas de uma economia mais austera também atingem a tabela de cálculo do Imposto de Renda e a distribuição de energia.

Com isso, o posicionamento oficial adverte para um primeiro momento difícil, mas que deve gerar recuperação a curto prazo, a partir do segundo semestre deste ano. Com menos de três meses completos de uma nova perspectiva política e econômica, ainda é cedo para tirar qualquer conclusão, visto que algumas das medidas ainda nem entraram em vigor. Resta esperar pelo cumprimento ou não da promessa de retomada da presidente Dilma Rousseff.

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