“O ouro não produz qualquer tipo de riqueza, fruto, juros ou dividendos.”

O preço do ouro subiu em ritmo acelerado desde o início dos anos 2000. Contudo, na última semana, sofreu a sua maior e mais rápida desvalorização dos últimos quarenta anos. O movimento, típico do estouro de bolhas financeiras, reacendeu questionamentos sobre o verdadeiro valor do ouro, que já foi abertamente atacado pelo lendário investidor Warren Buffett.

Em fevereiro de 2012, Warren Buffett já acreditava que havia uma bolha em andamento, e discorreu sobre o valor do ouro na carta aos acionistas de sua companhia, a Berkshire Hathaway (a partir da metade da página 18 neste documento). Juntamos os principais argumentos do investidor a outros estudos publicados por diversos pensadores que corroboram nossa opinião de que realmente o ouro é um investimento com quase nenhum valor intrínseco, utilizado principalmente para especulação. Veja se você concorda.

Utilidade

O ouro tem pouca aplicação prática na nossa sociedade. É utilizado em componentes da indústria eletrônica devido a sua altíssima condutibilidade e por apresentar baixa suscetibilidade a corrosão. Também tem diversos usos medicinais, como em enchimento de cavidades dentárias, por apresentar propriedades antissépticas. Mas a principal utilização do ouro hoje é na indústria de joias e decoração, que responde por cerca de 50% de todo o estoque de ouro no mundo, de acordo com o World Gold Council.

Ainda assim, cerca de 1/3 do estoque mundial de ouro está sob a forma de reservas financeiras, dividido entre fundos soberanos e investidores em geral. A demanda por ouro para todos os seus usos não consegue consumir a produção mundial anual. Não existe escassez: a humanidade ainda está acumulando ouro.

Além disso, com pouca utilidade prática, o que faz com que as pessoas escavem a terra em busca desse metal, o processem por pureza, o transportem e armazenem em cofres de alta segurança? O que nos leva a gastar dinheiro com uma estrutura de segurança para proteger um metal que não produzirá qualquer tipo de riqueza, fruto, juros ou dividendo?

Paralelo com a Moeda

O papel moeda e as moedas de metal não possuem quase nenhum valor por si mesmos, pois os materiais de que são feitos não tem valor de comercialização.

O valor da moeda vem da confiança de que ela vale alguma coisa. O dinheiro vale porque as pessoas confiam que as outras pessoas vão aceitá-lo em troca de bens e serviços.

Atualmente, o dinheiro que existe no mundo é conhecido como fiat money (faça-se o dinheiro). As moedas fiat money não correspondem a uma reserva física de bens valiosos, por isso o risco de perderem valor é maior. A aceitação da moeda decorre de uma ordem do governo, uma lei. Se as pessoas perderem a confiança no seu valor, param de aceitá-la e o valor da moeda deixa de existir.

Por sua vez, o governo, através de políticas monetárias, tenta controlar a quantidade de moeda em circulação. Com todas as peculiaridades e problemas, a credibilidade e as contas de cada governo é que dão valor à sua moeda.

Sensação de segurança: a renda fixa que rende zero

Em alguns aspectos, a moeda de um país é como um título público. Um papel emitido pelo governo, que tem um valor por determinação do governo. Porém, com duas importantes diferenças: o dinheiro sozinho não rende juros e não tem data de vencimento. Um título sem juros e sem prazo para recompra fatalmente valeria nada.

Da mesma forma, o ouro também não produz juros. Se você guardar um quilo de ouro por 50 anos, ao final do período você terá exatamente um quilo de ouro. Ele não se reproduz. E pior: você gasta dinheiro para protegê-lo e preservá-lo.

Por essa lógica, o ouro não deveria valer nada. Mas o ouro tem uma coisa que o dinheiro não tem: proteção contra o governo. Os governos podem emitir mais papel moeda, desvalorizando o que já existe, mas não pode emitir mais ouro. Por isso o ouro serviria como proteção contra políticas monetárias dos governos. É por isso que os investidores correm para o ouro em épocas de instabilidade, elevando o seu valor.

Onde está o problema

O ouro é comprado por investidores que acreditam que outros compradores – também cientes da improdutividade do ouro – vão aceitar pagar mais dinheiro pelo mesmo metal no futuro.

Esse tipo de investimento pressupõe que exista um universo crescente de compradores. Cada comprador é motivado pela crença de que sempre haverá mais e mais compradores. Ninguém compra ouro para obter os frutos do próprio metal – que continuará inerte para sempre – mas sim na esperança de que mais pessoas vão desejá-lo mais avidamente no futuro.

Também vimos que muitos investidores compram ouro para se proteger da fragilidade das moedas fiat money. Eles estão certos em querer se proteger, mas a forma como decidem fazê-lo, na opinião de Buffett, é falha.

O que motiva o investidor assustado a correr para o ouro é a esperança de que outros investidores sentirão medo das mesmas instabilidades, e farão a mesma coisa, elevando seu valor em tempos de crise. Essa teoria vem se concretizando há décadas. E o “efeito manada” cria o que conhecemos como profecia auto-realizável.

Nas palavras de Buffett, quando uma manada de investidores corre no mesmo sentido, eles criam a sua própria verdade – por um tempo. Os preços sobem, ajudando a comprovar a teoria de que o investimento é bom. A notícia se espalha, o universo de compradores cresce, o preço sobe, o ciclo recomeça.

Por fim, ele compara o desempenho do ouro com duas bolhas que estouraram nos últimos 15 anos. Empresas ponto-com e imóveis residenciais nos Estados Unidos nos mostraram o efeito de combinar uma boa tese inicial com a ampla divulgação de preços ascendentes. A persistente subida de preços atraiu até os mais céticos investidores, que sucumbiram à sensação de estar perdendo uma grande oportunidade. No final, muitos investidores perderam fortunas com o derretimento de preços das empresas ponto-com em 2000 e dos imóveis residenciais em 2008.

É bolha?

Especialistas divergem se o atual movimento de queda representa ou não um estouro de bolha. Não há consenso sequer sobre a existência de uma bolha de preços do ouro. Mesmo assim, é difícil combater os fortes argumentos de Warren Buffett. A recente queda do ouro pode corroborar novamente um provérbio sobre investimentos, de que “o que o homem sábio faz no começo, o tolo faz no final”, mas só saberemos depois de alguns meses, talvez anos. A história nos ensina que certezas sobre bolhas só surgem depois que elas estouram.

Felipe Sotto-Maior é graduado em direito pela USP e pós-graduado em Finanças Corporativas pela FIA. Daniel Resende é empresário, graduado em direito pela USP e diretor do site Comparação de Fundos.

** Este texto foi originalmente publicado no site Comparação de Fundos.

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