A ciência econômica carece de verdadeira reformulação em alguns de seus propósitos econômicos. Isso porque a receita econômica tradicional “entende” o crescimento econômico de maneira equivocada; propõe medir a riqueza de uma sociedade erroneamente e, para o cômputo do produto interno bruto (PIB), chega até mesmo a levar em conta as externalidades negativas.

Pelo menos tem sido assim nos últimos 200 anos de história do pensamento econômico, quando esses e alguns outros propósitos econômicos nos foram apresentados em termos teóricos como sendo “verdades pétreas”.

O fato é que desde os fisiocratas – o primeiro grupo organizado de economistas – até hoje, a ciência econômica evoluiu e, por vezes, pelo caminho, foi deixando de se “adaptar” as mudanças. A prova disso é que a questão do meio ambiente, tema candente em qualquer modelo de crescimento econômico atual, faz pouquíssimo tempo que foi incorporado às análises econômicas.

Desse modo, cabe ao economista moderno ficar atento as mudanças conceituais que se fazem necessárias, visando abranger com isso maior observância do fato real em relação ao conteúdo estritamente teórico. É nesse sentido que determinados propósitos ultrapassados devem urgentemente cair por terra, fazendo com que a economia se “modernize”.

Um dos primeiros propósitos exageradamente equivocados que perduram até hoje diz respeito às finalidades do crescimento.

O crescimento econômico, grosso modo, desde os primeiros estudos a esse respeito, tem sido pensado, tão somente, no intuito de se formar uma grande sociedade de consumo, como se o consumo, por si só, significasse crescimento e como se todos pudessem participar desse consumo. O fato é que nunca se pensou num modelo de crescimento econômico capaz de proporcionar (pela distribuição, e não pelo consumo) acesso aos bens e serviços por parte dos mais necessitados, atendendo, assim, aos desejos sociais. O que prevalece, nesse pormenor, é a lógica de que “tudo deva ser vendido”, pouco se importando com a distribuição.

Essa é a lógica do crescimento dos últimos 200 anos que é, em essência, defeituoso, desigual, amoral; que não cresce para os lados (distribuindo), mas, sim, para cima (concentrando).
Esse procedimento econômico está longe, portanto, daquilo que se poderia intitular de conduta econômica ética.

Nesse sentido, cumpre enaltecer as sábias palavras de Alfonso Botero Rocha quando afirma que “a conduta econômica de quem produz bens e serviços ou investe capital financeiro para que outros produzam é uma conduta de um ser humano e deve ter três características essenciais: uma ética, outra humana e outra social”.

Da mesma maneira é a “prescrição econômica” dos manuais técnicos de que a riqueza se mede pelo acúmulo de bens materiais; quando a verdadeira riqueza de uma nação, ou mesmo do indivíduo, não repousa na aquisição material, mas em seu capital humano valorizado, ou seja, naquilo que o ser humano é, e não naquilo que ele tem. Riqueza, no sentido amplo do termo, envolvendo aspectos morais, é ser, e não ter.
Vários são os estudos nesse sentido que apontam que o verdadeiro crescimento de algumas nações é decorrente do uso intensivo de capital humano (conhecimento).

As indústrias de ponta que mais se destacam estão quase todas amparadas nos indivíduos que detém o conhecimento, o know-how (o conhecimento de causa e experiência em executar algo).

Indiscutivelmente é com esse conhecimento (por meio da pesquisa e desenvolvimento técnico, da ciência e tecnologia) que foi possível fazer avançar a robótica, a cibernética, a informática, a microeletrônica, a mecatrônica, a genética.

Isso mostra que talvez não seja – como pensavam os economistas de outrora – o capital físico e o natural os únicos responsáveis pelo avanço das sociedades; assim como não se pode jogar, nos dias de hoje, todas as fichas para a busca do crescimento acreditando apenas na atuação do livre mercado, das instituições; mas sim no investimento feito nas pessoas, na valorização do indivíduo e na propagação do conhecimento de cada um. Logo, é o capital humano então que deve ser destacado e enaltecido na busca do crescimento.

Os que comandam a lógica econômica de hoje, entretanto, precisam entender, definitivamente, que antes do mercado, da produção, das máquinas, dos preços, das mercadorias, do dinheiro, existe o indivíduo. É para ele (o indivíduo), e por ele, que os sistemas econômicos devem gravitar cumprindo atender aos desejos sociais, e não apenas aos anseios puramente econômicos.

A ciência econômica, antes mesmo de ser ECONÔMICA, é puramente SOCIAL. Essa ciência nasceu imbuída desse âmbito, com um propósito definido: adequar os meios escassos para a satisfação das necessidades humanas.

A Economia é uma ciência humana, não exata. Possui uma característica dinâmica, não estática e faz parte, como uma parte apenas, da atividade social. Esta última sim é ampla, pois é feita pelos homens (para os homens), pela comunidade (para a comunidade).

Nesse pormenor, cumpre resgatar aqui a firme posição de Amartya Sen a esse respeito. Para Sen, teórico da Ciência Econômica fortemente identificado com uma economia com face mais humana, “há um equívoco em se pensar no ser humano como instrumento para o desenvolvimento econômico”. Esses seres humanos constituem, diz Sen, “o próprio fim do desenvolvimento”.

O PIB medindo de forma equivocada a riqueza

Outro despropósito que perdura na teoria econômica é a de que o produto interno bruto responde, conceitualmente, pela riqueza de uma nação. O PIB nunca mediu a riqueza de um país, até mesmo porque o PIB mede o fluxo de moeda e não o “estoque”.

Além do mais é considerado no PIB, para efeito de sua mensuração, até mesmo as externalidades negativas. Nesse ponto, caso uma sociedade apresente, por exemplo, elevado índice de doenças infecto-contagiosas levando muita gente ao óbito, o PIB subirá, uma vez que as vendas de remédios e as procuras por serviços médicos e funerários irão aumentar.

De igual maneira, o PIB subirá caso a poluição dos rios aumente e, assim, “force” o governo a contratar uma empresa especializada na limpeza das águas e recuperação desse rio. Ou mesmo no caso de acontecer muitos acidentes automobilísticos, o PIB “aumentará” ativando novos gastos em serviços mecânicos, em concessionárias, em hospitais para tratar dos feridos e até nas funerárias ao vender mais ataúdes, ou ainda nas floriculturas que venderão o estoque de coroas de flores para o enfeite dos túmulos.

Esses gastos advindos desses sinistros terão impactos “positivos” no cômputo do PIB, pouco importa se houve impactos “negativos” sobre a sociedade. Percebe-se, dessa forma, o despropósito da medição atual do PIB que soma o que é bom com o que é ruim. O que importa, na lógica econômica atual, é fazer o PIB crescer para apresentá-lo como indicador de “riqueza”. No entanto, não seria isso uma “pobreza” teórico-acadêmica?

São esses os propósitos que cabem ao economista moderno rever à luz de uma boa compreensão dessa ciência econômica que parece mudar a cada dia. E, a cada novo dia de mudanças, outras novas interpretações vão ganhando espaço e se incorporando ao cabedal teórico da Economia.

Desse modo, acumulam-se mais perguntas do que respostas. É assim que as dúvidas são “provocadas” no ambiente de análise do economista moderno. Assim deve ser!

Cristovam Buarque em, “Da ética à ética”, diz que o papel do economista e do professor universitário de Economia é justamente esse: “viver a aventura de procurar e perguntar, sem esperar encontrar ou responder”.
Por isso, aqui ficam mais perguntas do que respostas, mais divagações do que afirmações propriamente ditas.

Nesse sentido, ganha maior visibilidade algumas indagações: 1. É a estabilidade que leva ao desenvolvimento, ou o contrário?; 2. Temos desigualdades porque temos pobreza ou a pobreza existe porque há desigualdade?; 3. O desenvolvimento precisa necessariamente de crescimento?; 4. O preço sempre obedece à relação entre a oferta e procura?; 5. Deve a economia estar a serviço das pessoas, ou o contrário?
Longe de desejarmos esgotar esse assunto, visto ser o mesmo vasto e complexo, que sigamos nessa tendência de sempre explorar mais as perguntas do que esperar por respostas prontas. Tentemos sim encontrá-las.

Acima de tudo então, que vivamos a “aventura econômica” de tentar encontrar as possíveis respostas, ainda que os economistas, com a fama de serem sibilinos em sua linguagem quando, porventura, de posse dessas prováveis respostas, venham a discordar uns dos outros, como parece ser de praxe.

Marcus Eduardo de Oliveira
Economista, mestre pela USP em Integração da América Latina e professor universitário. Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).
Autor de “Conversando sobre Economia” (Ed. Alínea).

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