Ninguém ouve falar, mas o mundo todo está interessado no arquipélago africano.

Com 151 mil habitantes distribuídos entre as duas pequenas ilhas na costa oeste africana, o arquipélago de língua portuguesa é, hoje, uma nação desconhecida. Um dos cinco países da CPLP, situado no golfo da Guiné, sob a presidência de Fradique Menezes e tendo como Primeiro-Ministro Rafael Branco, este desconhecido já representou o apogeu da expansão marítima e, hoje, tenta traduzir a herança do colonialismo europeu e suas riquezas naturais para o novo século.

Na busca por uma rota segura para as Índias, navegadores portugueses aportaram, em meados do século XV, nas ilhas de São Tomé e Príncipe. Desde o início, a corte real portuguesa se preocupou em transformar as ilhas em um entreposto comercial para os navios que se dirigiam ao Cabo da Boa Esperança, e numa ponte para o comércio entre a metrópole e suas frentes na costa africana, onde os portugueses estabeleceram feitorias desde o golfo de Guiné até a costa da Angola.

Movido por sua expansão territorial em terras africanas e americanas, no início da era de ouro da escravidão, Portugal posicionou São Tomé e Príncipe como um ponto geoestratégico na economia global da época. No final do século XVI e início do século XVII, começou a colonizar as ilhas de forma não somente a transformá-las em um local de convergência de escravos captados na África e distribuídos para a Europa e Brasil, como também a explorar a terra, desenvolvendo uma cultura de plantio baseado na cana de açúcar e, mais tarde, no café, para seguir o mesmo curso dos escravos.

Com o desenvolvimento da colônia brasileira e, finalmente, com sua independência em 1822, as ilhas de São Tomé e Príncipe não conseguiram suportar a concorrência do açúcar e do café americanos. Vendo, também, o mercado negreiro chegar ao seu fim, seus governadores e negociantes viram-se obrigados a elaborar um tratado transformando as roças nacionais em propriedades agrícolas, e a migrar seu potencial agricultor para o cultivo do cacau, que prevalece até os dias atuais e representa cerca de 96% das exportações do país. Já naquele tempo, o foco dos investimentos externos estava firmado na exploração da terra, e não no relacionamento com os indivíduos da região.

Neste ponto chegamos, então, ao que ocorreu entre os séculos XVIII e XIX. Com a revolução industrial, a economia global transitou para uma nova maneira de se construir e investir. Os pontos estratégicos que na era industrial caracterizavam um bom local para investimentos eram os seguintes: infra-estrutura básica [transporte, energia elétrica, água], mão de obra abundante e formada, produção em baixo custo, um mercado consumidor e, o ponto final, sua localização estratégica. O sistema econômico industrial possuía uma tecnologia pesada e fixa, exigindo construções que visavam uma produção de longo prazo.

Enquanto toda a economia global migrava para um novo posicionamento, a colônia africana que inicialmente se caracterizou como um local de convergência econômica e de investimentos, enfrentou o início de um período que eu chamo de Era do Esquecimento. Sentindo o peso de sua localização geográfica, e dependendo de apoio externo, São Tomé e Príncipe não conseguiu se encaixar nas características industriais. Sua vulnerabilidade e descontinuidade territorial revelaram limites intransponíveis. O custo dos transportes terrestres e marítimos, somando-se à ausência de um porto expressivo, impôs o isolamento de uma forma devastadora.

No século XX, conseguindo seguir o fluxo das mudanças no campo político internacional, com os movimentos nacionalistas, o país conquistou a independência em 1975, até chegar a ser uma República Democrática de multipartidos, em 1991. Por outro lado, o fluxo econômico seguiu inexpressivo. Por não possuir nenhuma das características exigidas pelo sistema industrial, e por não possuir um mercado consumidor expressivo, as grandes multinacionais e as marcas se esqueceram das ilhas. Com a falta de investimento e construção de uma perspectiva de futuro, STP mergulhou em uma fase de declínio econômico, chegando a possuir, hoje, a segunda maior dívida externa proporcional do mundo, que atinge uma cifra equivalente a 700% de seu PIB PerCapita.

Hoje, entretanto, vivemos em uma nova era. Transitamos daquela fase industrial para uma fase em que valoriza-se a qualidade de informação e produção de conhecimento. Estruturas fixas foram trocadas por flexíveis, as barreiras e limites geográficos foram rompidos pela interconexão das redes. A economia é criativa. STP deverá continuar com seu status “offline” para este mundo plano que se estabelece?

Talvez alguns líderes globais contemplem este cenário e cruzem os braços. Há pouco tempo, o diplomata francês, Bernard Kouchner, em entrevista sobre a questão do Tibet, definiu como se dão, hoje, as tomadas de decisão no cenário internacional: “Quando se lida com relações internacionais com países importantes como a China, obviamente são tomadas decisões econômicas à custa dos direitos humanos”. Mais uma vez o indivíduo fica sem espaço. Porque investir em 150 mil pessoas se é mais lucrativo e grandioso trabalhar em locais com concentrações gigantescas de consumidores?

Eu realmente acredito que podemos e é preciso caminhar contra esta corrente. Basta pensarmos em um país que possui 55% de sua população com idade inferior a 18 anos; uma geração que só precisa de uma plataforma que a conecte com a informação e uma nova perspectiva de futuro para despertar em seu potencial criativo. Basta pensarmos em um país que, no passado, representou a conexão entre Europa, África, América e Ásia.

Hoje o arquipélago repousa sobre um manto de 11 bilhões de barris de petróleo. O EUA disponibilizaram apoio militar com alvo de proteger as fontes do ouro negro, e a Nigéria já firmou acordos comerciais com o país. Nesta corrida de aproximação, encontramos acordos políticos e econômicos vindos do Brasil, Angola, China e Taiwan, em troca de investimentos nas mais diversas áreas. Há alguns meses, a França perdoou cerca de 7,6 milhões de euro da dívida do país dívida e, seguindo o mesmo caminho, a bélgica, cerca de 700 mil.

No momento em que o mundo volta novamente os olhos para as ilhas africanas, uma questão se coloca: iremos mais uma vez perpertuar a exploração geográfica e usar de forma descarada a mão-de-obra e a riqueza sãotomense, ou focalizaremos no indivíduo, em seu potencial e no desenvolvimento sustentável? Esta é a questão que nós precisaremos responder na segunda década deste século.

João Baptista
E-mail: joao@3cnetwork.org
Blog: www.concepcoeseconjunturas.blogspot.com

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