Tributar importados é a saída mais fácil, não necessariamente a melhor
“Trata-se, na realidade, de mais um benefício concedido às montadoras em alguns casos instaladas há mais de 50 anos no país. Não se pode, entretanto, ignorar o fato de que vários outros setores enfrentam dificuldades idênticas ou até maiores diante da concorrência estrangeira. Por que, então, se continua a praticar uma política discriminatória.”

Creio já ter me referido nestas mesmas Iscas Intelectuais, à dificuldade de obtenção de consenso entre economistas. A voz corrente, aliás, indica o inverso, existindo mesmo quem afirme que “é mais fácil achar uma agulha num palheiro do que uma reunião de economistas na qual se chegue a algum consenso”. Exageros à parte, o fato é que as discordâncias predominam, podendo ser explicadas a partir de diferentes causas: ideológicas, de fundamentação teórica, defesa de interesses setoriais específicos etc.

Sendo assim, e considerando, de um lado, a importância da pluralidade de opiniões, e, de outro, a tolerância intelectual, que exige o respeito a toda e qualquer opinião, mesmo àquelas frontalmente divergentes das nossas, é natural que existam defensores do Decreto 7.567, aumentando em 30% a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os carros importados de fora do Mercosul.

Confesso, no entanto, que não se trata, definitivamente, do meu caso, uma vez que considero a referida decisão um verdadeiro contrassenso, que pode vir a ser – espero que não – o primeiro passo em direção a um passado que eu imaginava superado, qual seja, de uma economia ainda mais fechada, caracterizada pela falta de concorrência e por mercados amplamente dominados por produtos de baixa qualidade e preços elevados, sem que o consumidor dispusesse de qualquer alternativa.

Quem, a partir de certa idade, não se lembra da reserva de mercado da informática? Ou dos obsoletos carros brasileiros apelidados de carroças pelo então candidato à presidência Fernando Collor? Ou da nossa completa falta de acessibilidade a roupas, acessórios, calçados, bebidas e milhares de outros produtos cuja importação esbarrava em medidas protecionistas legais, tarifárias, alfandegárias, sanitárias etc.?

Como o comércio internacional é uma via de duas mãos, esse estado de coisas fez do Brasil uma espécie de pária no mercado mundial. Da mesma forma que o país se fechava à entrada de produtos estrangeiros, diversos outros países, pelo princípio da reciprocidade, também se fechavam à entrada de produtos brasileiros.

Dessa forma, algumas gerações de brasileiros acostumaram-se a essa situação, vivendo em determinados momentos como cidadãos de segunda classe, por serem obrigados a pagar depósito compulsório ou por poderem comprar apenas mil dólares “no câmbio oficial” em caso de viagem ao exterior; por não terem permissão para ter cartão de crédito internacional; ou por não poderem trazer quase nada do exterior sem ser onerado por pesadas taxas alfandegárias.

Na outra via, os produtores brasileiros, desacostumados à concorrência e à competição, tinham no mercado interno todo o foco da sua atividade. Os poucos que exportavam acabaram adquirindo o mau hábito de “ser comprados”, em vez de “buscar novos clientes e mercados” como acontecia com empresários dos outros países.

Poderia citar dezenas de razões pelas quais me oponho ao aumento do IPI sobre os veículos importados. Por razões de espaço, vou me limitar a cinco:

1ª. Como tem ocorrido com irritante frequência, o governo buscou uma solução fácil, ainda que esteja longe de ser a melhor, diante da falta de determinação ou de coragem para adotar medidas mais difíceis e duradouras envolvendo, por exemplo, as questões dos juros estratosféricos, da absurda estrutura tributária ou da enorme burocracia que dificulta a realização de negócios no país. Essa forma de agir tem impacto direto na nossa competitividade […].

2ª. Também repetindo uma prática cada vez mais comum, procurou resolver os problemas sempre pelo lado do aumento da arrecadação, como se o contribuinte brasileiro já não estivesse sujeito a uma alta carga tributária. Atacando os problemas sempre por esse ângulo, além de não reduzirmos o Custo Brasil, vemos o custo de vida do brasileiro se tornar cada vez mais elevado.

3ª. Mais uma vez, por meio da utilização de Medidas Provisórias ou de decretos presidenciais, a sociedade se vê alijada da possibilidade de discutir democraticamente sobre o caráter de decisões que terão impacto direto sobre ela própria.

4ª. Como bem observou Roberto Piscitelli, meu colega no Conselho Federal de Economia (Cofecon), em texto que serviu de base para o documento divulgado pela Comissão de Análise da Política Econômica da entidade: “Trata-se, na realidade, de mais um benefício concedido às montadoras em alguns casos instaladas há mais de 50 anos no país. Não se pode, entretanto, ignorar o fato de que vários outros setores enfrentam dificuldades idênticas ou até maiores diante da concorrência estrangeira. Por que, então, se continua a praticar uma política discriminatória, que a cada momento favorece um determinado segmento, em vez de estabelecer critérios gerais, objetivos, transparentes, em resposta a cada pressão ou por conveniência ou oportunismo?”.

5ª. O mesmo documento do Cofecon alerta para o fato de que “dada a enorme concentração de renda em nosso país, dificilmente os importados mais caros sofrerão significativo abalo em suas respectivas demandas e, nesse sentido, a medida parece estar dirigida principalmente para os carros chineses, bem como para os de menor conteúdo tecnológico, valendo lembrar que um automóvel estrangeiro já custa, no Brasil, muito mais do que nos mercados dos Estados Unidos e da Europa, e o custo de transporte tem muito pouco a ver com isto”. Considerando, porém, que a medida se destina mais diretamente aos carros chineses, é necessário levar em conta a competência da China, que nos últimos anos conseguiu avanços significativos no sentido de agregar valor aos seus produtos quer pela incorporação de tecnologia quer pela construção da marca.

Mesmo limitando-me a apenas essas cinco razões, minha discordância da medida tem fundamento similar ao apresentado por outro colega e amigo, Roberto Fendt, em artigo publicado no Diário do Comércio: “para proteger a indústria nacional, desprotegeu-se o consumidor brasileiro”.

* Este artigo foi publicado originalmente no site do Cofecon.

** Luiz Alberto de Souza Aranha Machado é economista e faz parte do conselho efetivo do Cofecon.

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