"A única forma de garantir um crescimento é através de um investimento que encontra do outro lado o consumo." Foto: Divulgação.
“A única forma de garantir um crescimento é através de um investimento que encontra do outro lado o consumo.” Foto: Divulgação.

O mundo vem passando por turbulentos acontecimentos na área econômica, o que obriga os países a agirem com cautela para evitar que a crise se intensifique cada vez mais. No Brasil, várias medidas de estímulo ao consumo por meio da redução da taxa básica de juros estão sendo adotadas. Paralelamente a isso, o governo tomou decisões que afetaram o comércio internacional e fizeram o Brasil ser alvo de acusações de protecionismo, vindas dos países da Europa e Estados Unidos.

Diante dessa situação, existem temores históricos: a possibilidade de uma bolha imobiliária, que foi um dos motivos que impulsionaram a crise norte-americana, o aumento da inflação, a redução nos índices de geração de emprego e a queda da produtividade.

Para analisar todo esse contexto, O Economista conversou com Paulo Sandroni, economista brasileiro graduado pela FEA-USP, mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e autor do livro Dicionário da Economia (Editora Record), ganhador do prêmio Jabuti de 1995.

De acordo com Sandroni, a redução da Selic não está chegando ao consumidor, o Brasil não tem uma bolha imobiliária e, para crescer, a melhor ferramenta é o investimento.

Economista – Diante dessa política de concessão de crédito do governo e algumas teorias de que estaria se formando uma bolha imobiliária no país, o que você pensa a respeito dessas iniciativas de redução de juros e estímulo ao crédito? Isso é bom para o país?

Sandroni – Claro que reduzir os juros e aumentar o crédito são medidas boas que favorecem o crescimento ou – melhor – no nosso caso específico, impedem que o PIB [Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas pelo país] seja até negativo. Porque este ano nós vamos ter um crescimento muito ruim, não vai chegar a 1,5%. Se nós considerarmos o crescimento de 2011 então temos o pior biênio dos últimos quase 15 anos. Muito ruim. Agora, claro que com essa concessão de crédito mais farta e redução dos juros a Selic contribui. Mas a Selic não tem uma incidência na ponta final. Ela tem incidência para abater um pouco a dívida pública porque os títulos da dívida pública são atrelados, em parte, à Selic. O que o governo ainda não resolveu, mesmo com todos esses estímulos ao consumo, é a taxa de juros na ponta para o consumidor final ou para o investidor. Então embora essas medidas sejam favoráveis, elas são de fôlego curto, porque se elas não forem acompanhadas pelo investimento, essas medidas podem gerar, como já estão gerando, pressões inflacionárias. Esse processo é quase um remédio de última hora pra evitar o pior, mas ele não resolve o nosso problema que é o problema do investimento.

E – Então quer dizer que a redução da Selic não é responsável pelo estímulo do crédito?

S – Não, é porque a Selic só opera no plano da dívida pública. Se você comparar o 7,5% da Selic com o 100% ao consumidor, agora baixou um pouquinho, mas é um juro escandaloso, é absolutamente impensável em qualquer país que tenha uma economia autossustentável uma taxa de juros como essa. Então ela não opera na ponta. Se você reduziu a taxa de juros, por exemplo, do cartão de crédito, de 140% ao ano de juros, ou mais, pra 70%, ainda assim é uma taxa de juros descomunal. Então isso aí tem um limite, um fôlego curto. O fato de o governo estar ampliando as linhas de crédito significa que você vai ficar pagando juro alto durante um período maior e o seu nível de renda não está crescendo de forma a acompanhar esse ritmo. Assim, muitos consumidores já estão chegando ao seu limite. Muitos estão ficando inadimplentes e outros sem capacidade de adquirir novos produtos. Neste sentido é que eu acho que não há uma bolha imobiliária porque os contratos foram feitos com taxas de juros muito elevadas. Quer dizer: no momento em que as taxas de juros começam a cair, mas ainda assim com níveis muito elevados, não existe a bolha, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos. [Lá] Os contratos foram feitos a taxas de juros muito baixas e depois essas taxas explodiram. É possível que haja dificuldades de muitas famílias de pagar os seus compromissos de hipotecas imobiliárias, mas não creio que haja uma bolha no sentido da palavra.

E – É porque, o que se tem dito, é que existiria uma bolha, mas se ela estourasse as consequências no Brasil seriam menores que nos Estados Unidos. Então não é o nosso caso?

S – Ela não é uma bolha no sentido tradicional. Uma bolha, quando estoura, leva todo mundo de rondão. Ela foi contratada a juros altos, os juros estão baixando um pouquinho, talvez isso até facilite um pouco o pagamento. O que não está crescendo é a renda na mesma proporção em que foi comprometido o consumo, então há um fôlego curto para essa onda. E, além disso, os títulos hipotecários, até o ponto em que eu acompanhei, não foram transformados em derivativos aqui no Brasil. Então isso é mais ou menos uma garantia. Não vai haver aquela quebradeira de termos concedido um nível de crédito muito acima do que seria conveniente fazer. Os bancos brasileiros são bem vigiados e eu acho que eles não estão se expondo a ponto de ocorrer o mesmo que nos Estados Unidos. Os bancos de lá estavam expostos de uma maneira gigantesca. Eles concederam muito mais crédito do que poderiam.

E – Existiria alguma outra fórmula de garantir o crescimento se não fosse através do consumo?

S – Sim, a única forma de garantir um crescimento é através de um investimento que encontra do outro lado o consumo. É como se você quiser cortar uma peça de roupa com uma tesoura, mas só usando uma das lâminas. Você pode até fazer isso, mas vai ser bem dificultoso. Porque tem que usar também o investimento. O gargalo é o investimento. Então quais são os obstáculos para o investimento? Existem obstáculos infraestruturais, que o governo está tentando eliminar alguns, por exemplo, o custo da energia elétrica. Mas é preciso ver se essa manobra que o governo está tentando fazer não vai comprometer os investimentos futuros na geração da própria energia e distribuição. Precisa ver isso com muito cuidado. Aliviar a folha, digamos, de certos encargos. Mas tudo isso é preciso ser pesado para saber até que ponto afeta nas receitas do governo, que estão caindo agora por causa da queda do PIB. E por esse lado existem algumas iniciativas que me parecem positivas, mas, como eu disse, é preciso ver. Agora, o que não foi solucionado ainda é o financiamento do investimento para todos a juros razoáveis. A juros tipo o BNDES. Porque o BNDES não abarca toda a necessidade de crédito do empresariado. Então parte do empresariado tem duas alternativas: ou vai para a rede bancária onde a taxa de juros é descomunal, mesmo pensando que ela tenha caído, ou então usa capital próprio. Ora, por que eu vou usar capital próprio se eu não tenho certeza sobre o futuro? Então aí é que existe o nó da questão. Pra não falar de outras coisas, também, como a defasagem cambial, que desestimula todo o investimento em toda a área do setor exportador.

E – É uma preocupação que está sendo muito recorrente agora, motivo de muita discussão internacional, inclusive, essa questão cambial.

S – Claro, e isso obrigou ao Brasil a elevar, dentro das taxas que ele poderia, o imposto de importação de uma série de produtos. É claro, a gente tem que combater uma coisa no plano internacional que é o dumping cambial que faz a China. Ela não faz só o dumping social, com uma mão de obra superexplorada. Ela tá fazendo também o dumping cambial e isso já vem de anos. E eu acho que neste ponto a Dilma tem razão. Eles estão brincando com o câmbio. Além dos americanos e europeus estarem inundando de crédito em euro e dólar o mundo como um todo levando, é claro, a uma valorização das moedas nacionais. Os casos mais típicos na América Latina são, em primeiro lugar, a Colômbia, onde houve uma tremenda valorização, e o Brasil.

E – Então é injusta a acusação de que o Brasil está sendo protecionista?

S – Não, ele não está sendo protecionista. Ele está se defendendo contra práticas predatórias feitas por todos esses países. Os Estados Unidos com aquela inundação de dólar que está fazendo no mercado, o Banco Central Europeu está começando a fazer a mesma coisa e a China, especialmente a China, esse é o problema central para os exportadores brasileiros. Não é possível mais viver com essas desvantagens que os chineses impõem a todos, que é uma mão de obra superexplorada e uma taxa de câmbio artificialmente desvalorizada.

E – Diante desse cenário todo o que a gente pode esperar para o fechamento deste ano e do ano que vem?

S – Esse ano vai ser muito ruim. O crescimento, segundo as previsões, vai ser inferior a 1,5%. 1,5% eu acho que não compensa nem o crescimento da população brasileira que caiu, mas acho que ainda está acima um pouco de 1%. São dois anos de crescimento muito baixos. Agora, 2013 é possível que aquele fenômeno chamado voo de galinha volte outra vez a operar. Dois anos muito ruins, de repente tenha um ano aí um pouco mais favorável, de 3%, 3,5%, 4%.

E – E o que estaria levando a esse crescimento um pouco melhor no ano que vem?

S – É exatamente o crescimento ruim desse ano. Os empresários ficam com capacidade ociosa, o preço das matérias primas pode dar uma caída pela situação internacional. Pode ser, eu não sei. O crescimento da China este ano vai ser abaixo de 8%, o que é algo inusitado, algo próximo de 7%, 7,5%. Talvez a Índia cresça até mais do que a China. Então isso influi também no crescimento das empresas. Isso ainda é uma coisa a se falar porque quando a situação vai muito ruim no primeiro semestre o governo sempre diz: “No segundo vai melhorar”. Agora, quando a situação do segundo também é ruim, aí ele joga já o problema para o próximo ano. Aí acenam para o próximo ano com um crescimento de 4%, 4,5%, o pessoal fica meio feliz. Agora, chega lá, na hora, de repente as coisas começam a desandar e o crescimento pode ser muito baixo. Uma coisa que me preocupa muito é o desemprego. Parece que já começa a se apresentar principalmente no setor industrial. Isso é muito grave. Outra coisa é a redução da arrecadação governamental. E não é pelo fato de estar isentando de impostos alguns setores, mas é pelo fato de haver uma retração do PIB. A base sobre a qual os impostos recaem está encolhendo. Isso é muito grave. Então eu vejo que as dificuldades serão grandes em 2013 por esse quadro. Agora, como esse é um ano eleitoral, geralmente os governos, quer a União, quer os Estados, pra não falar também dos municípios porque a eleição é municipal, abrem a sua caixa de ferramentas e começam a apresentar bondades e deixam as maldades para depois das eleições, do segundo turno.

E – Nós publicamos uma matéria dizendo que as vendas do Natal seriam menores e por conta de as famílias já estarem mais comprometidas as vendas vão ser menores e a indústria pode produzir menos também. Será que isso não prejudica as prospecções para o ano que vem?

S – Claro. É aquilo que eu disse anteriormente. Tem um famoso ditado que diz assim: “quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza”. Mas eu digo que não é bem esse o ditado para o Brasil. O ditado para o Brasil é: “quem nunca comeu melado, quando come, gosta, exagera e daí tem um desarranjo intestinal”. Então é mais ou menos o que aconteceu. Quando o crédito começou a ser liberado em 2010 o pessoal abusou. Gente que comprou coisa que iria depreciar muito antes do término da dívida. Eu até escrevi um artigo que está no meu blog que é assim: “A tatuagem dura mais do que o amor assim como a dívida dura mais que a ossada de um carro usado”. É como um empréstimo de 60 meses, 70 meses para um carro que vai durar 30. Então depois ele fica com a dívida e sem o carro. Então isso pode estar acontecendo agora em 2012. A capacidade de endividamento das famílias começa a cair, os bancos começam a ficar mais seletivos porque o nível de inadimplência cresceu muito no primeiro semestre, talvez tenha se estabilizado agora, mas a capacidade de endividamento pode ter chegado a um certo limite que impede a continuidade do consumo e, portanto, da produção.

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