franquia na banda larga

Em março deste ano, os consumidores brasileiros foram pegos de surpresa por uma notícia que, caso seja concretizada, mudará a forma como consumimos internet fixa. A Vivo, que havia recém incorporado as operações da GVT, começou a mudar seus contratos ilimitados para limitados, ou seja, com uma franquia na banda larga. O modelo é igual ao dos planos de internet móvel. A questão é que a sociedade logo reagiu e hoje já existem ações na justiça e projetos de lei tentando barrar a iniciativa.

A franquia de dados na banda larga já vinha, há algum tempo, sendo incluída nos contratos das operadoras Net e Oi, mas a redução de velocidades e o corte não eram realmente colocados em prática por essas empresas. A Tim, outra gigante das telecomunicações, nunca estabeleceu limite em suas ofertas de internet fixa e chegou a afirmar em comunicado que não pretende mudar seu modelo.

De acordo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), responsável pela regulação do setor, que chegou a se pronunciar favorável à mudança, a prática da franquia de dados não é ilegal. As regras do setor permitem às empresas adotar várias modalidades de franquias e de cobranças. A intenção era dar às operadoras um prazo para elas regularizarem o novo modelo, disponibilizando, principalmente, um meio para os usuários controlarem o volume de dados consumidos.

Entidades discutem a adoção da franquia na banda larga em debate na Câmara dos Deputados (Foto: Victor Diniz / Câmara dos Deputados)
Entidades discutem a adoção da franquia na banda larga em debate na Câmara dos Deputados (Foto: Victor Diniz / Câmara dos Deputados)

No entanto, em abril, após a repercussão do caso, a Anatel decidiu proibir, por 90 dias, que as empresas reduzissem a velocidade ou interrompessem o serviço de banda larga, mesmo existindo uma previsão disso no contrato. Depois, em nova medida, a proibição passou a valer por tempo indeterminado e, até a publicação dessa reportagem, continuava em vigor.

No dia 8 de junho, a Anatel tomou mais uma decisão, determinando a realização de consultas, por 60 dias, para que a sociedade civil possa se manifestar em relação à franquia de dados na prestação da banda larga fixa. Além disso, também serão realizadas reuniões públicas com diversas entidades e especialistas, com o objetivo de agregar subsídios para futura deliberação do Conselho Diretor a respeito do assunto.

 Franquia na banda larga afeta os consumidores, diz Idec

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) ingressou com uma Ação Civil Pública contra os maiores provedores de internet do Brasil para barrar a fixação de limite de tráfego de dados nos serviços de banda larga fixa.

Na ação, o Idec argumenta que a imposição de franquia na banda larga fixa viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei de Crimes Econômicos (Lei nº 12.529/2011). A entidade também sustenta que o Marco Civil da Internet proíbe provedores de desconectar seus clientes uma vez alcançado o limite de tráfego.

O que diz o inciso II do artigo 7º do Marco Civil da Internet: “à não suspensão da conexão à Internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização.”

franquia na banda larga
Pesquisador Rafael Zanatta acredita que franquia na banda larga prejudica os usuários (Victor Diniz/Câmara dos Deputados)

O pesquisador em Telecomunicações do Idec, Rafael Zanatta, afirma que a proposta das operadoras de instituir franquia na banda larga diminui drasticamente o limite básico de acesso aos dados, pois são franquias reduzidas que restringem demais o hábito de consumo na internet. “É um modelo pautado na segmentação do cliente segundo seu poder financeiro. Se você tem condições de pagar mais, terá mais acesso; se pode pagar menos, terá uma franquia bem reduzida, quase proibitiva. Isso impacta diretamente no desenvolvimento profissional e pessoal de muitos”, argumenta Zanatta.

O Idec não concorda com a alegação de que é necessário estabelecer franquia na banda larga por conta do aumento da demanda. “Não existem argumentos técnicos e econômicos que demonstrem a necessidade dessas mudanças contratuais”, diz o pesquisador.

Para Zanatta, a proposta implicará na fragmentação da internet entre os consumidores que podem acessar serviços de qualidade e intensivos e aqueles que não poderão. “O consumidor com menos renda será obrigado a assistir menos vídeos e gastar menos dados, o que reforça as desigualdades existentes no Brasil”, lembra o pesquisador.

Outro problema é a limitação do acesso à internet e também à produção de conteúdo. “É óbvio que o youtuber (produtor de vídeos para a rede social YouTube) rico não tem nenhum problema em contratar um pacote adicional, então o filhinho de papai vai estar muito bem, porque não terá um problema. Já o estudante de computação do interior de Pernambuco que usa a internet para fazer um cursinho online e assistir filmes que ele não consegue ver em São Paulo, esse sim vai ter limitação.”

Além disso, segundo ele, os pequenos empreendedores também iriam sofrer, assim como restaurantes e lojas, que costumam oferecer wi­fi gratuito e talvez não tenham mais condições de fazer isso.

Embora o modelo proposto seja o mesmo da internet móvel, há uma diferença de estrutura entre os dois segmentos. Na caso dos celulares, segundo o pesquisador, a estrutura de transmissão de dados é via satélite e há um limite da capacidade da rede de infraestrutura em oferecer sinal nesse sistema, o que obriga a limitação dos planos. Já na banda larga fixa, que ocorre por meio de infraestrutura de cabos de fibra ótica, não há restrição de tecnologia para atender a todos.

Posicionamento das empresas

O argumento das empresas para estabelecer franquia na banda larga é o aumento da demanda. O modelo ilimitado “não acompanha o crescimento exponencial do tráfego gerado”. De acordo com Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), o tráfego aumentou, mas os custos e as receitas estão próximos. Com isso, o setor estaria perdendo em atratividade, pois o retorno sobre o investimento caiu de 11,6% em 2011 para 6,3% em 2014.

A Sinditelebrasil argumenta também que uma maior inclusão digital passa pela racionalidade do uso das redes. “Quem usa pouco a internet não pode subsidiar quem faz um uso muito intenso. A lógica econômica deveria ser inversa”, afirma a entidade. Para ela, a oferta de pacotes diferenciados possibilita uma gestão mais eficiente das redes e a consequente melhoria da qualidade dos serviços.

O sindicato das empresas entende que, pela legislação, nos serviços privados a liberdade é a regra. “Essa liberdade comercial é a alavanca da competição. Cada operadora pode manter sua estratégia e dessa variedade de ofertas quem se beneficia o consumidor”, diz.

A intenção das prestadoras, segundo a entidade, não é fazer uma única oferta. “Elas querem exercer a liberdade de modelos de negócio, já prevista em lei, para ter uma diversidade de ofertas, com planos com e sem franquia, e assim atender aos mais variados perfis de consumo”, afirmou a Sinditelebrasil.

No entanto, a Net oferece apenas pacotes com franquia. Já a Vivo começou a ofertar apenas esse modelo a partir de fevereiro e afirma que ele começará a valer somente a partir do ano que vem.

A representante do setor entende também que é a liberdade de modelos de negócio que permitirá planos variados que atendam às diversas camadas da população. “O que garante o acesso a um número maior de pessoas à internet não é um acesso ilimitado, mas políticas públicas que incentivem a massificação dos serviços”, afirmam.

Uma das maneiras de ampliar as condições de acesso é, de acordo com a Sinditelebrasil, utilizar recursos dos fundos setoriais. As empresas alegam que, dos R$ 90 bilhões recolhidos referentes aos fundos pelas prestadoras ao longo do período de privatização, apenas 7% foram utilizados.

A série de reportagens que discute a franquia na banda larga foi dividda em três partes. Na segunda parte da série, que publicaremos na próxima segunda-feira, 4 de julho, abordaremos a reação da sociedade após a notícia de que as empresas pretendem limitar a banda larga. Não deixei de acompanhar!

Confira as outras partes da série:

Limite da banda larga gera indignação na sociedade

A longo prazo, a franquia da banda larga pode ser prejudicial

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